Administrativo. Terceiro setor. Estado de emergência de saúde pública. Pandemia causada pelo COVID-19. Lei municipal 17.335/2020. Adoção de medidas excepcionais. Manutenção do pagamento mensal de ajustes envolvendo prestação de serviços. Objetivo de preservação dos empregos. Trabalhadores contratados como microempreendedores individuais, sem vínculo empregaticio. Incidência do regime municipal excepcional. Art. 3°, "caput" e §1° c/c. art. 6° do diploma municipal.
processo nº 6510.2020/0006686-7
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL
ASSUNTO: Consulta. Parceiras firmadas pelo Município. Situação dos educadores/oficineiros.
Informação n° 535/2020- PGM.CGC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA
Senhor Procurador Assessor Chefe,
Trata-se de consulta formulada pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) sobre a possibilidade de pagamento, durante o período da quarentena da pandemia e diante da paralisação das respectivas atividades, dos educadores/oficineiros, microempreendedores individuais (MEI), os quais detêm vínculo com organizações parceiras do Município de São Paulo.
Pronunciando-se a respeito, a Assessoria Jurídica da Pasta expediu o robusto parecer doc. SEI 028256910, com a seguinte conclusão: "é possível a manutenção do pagamento dos micro empreendedores individuais sem vínculo empregaticio com a OSC com base em interpretação dada ao art. 3°, caput e parágrafo 1° c/c art. 6° da Lei Municipal 17.335/2020, pelas razões supra explicitadas, desde que previamente se tente alocar referidos prestadores de serviço em outros serviços que não tenham tido suas atividades suspensas, conforme determina o § 2° do art. 3° da Lei Municipal 17.335/2020, caso não seja possível a manutenção de suas atividades no mesmo Termo de Colaboração por meios remotos, tal como propõe o Coletivo de Oficineiros, o que deve ser previamente analisado pela área técnica pertinente".
É o relatório.
O entendimento firmado pela SMADS/AJ merece ser prestigiado.
Vive-se um cenário de pandemia provocado pela disseminação do COVID-19. Trata-se de situação de emergência de saúde pública de importância internacional, conforme declaração feita pela Organização Mundial da Saúde em 30 de janeiro de 2020. Para além de representar fato notório, diversos atos normativos já formalizaram no plano jurídico interno, por todas as entidades federativas, o contexto de emergência sanitária.
A Lei federal 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, dispõe sobre as medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, assumindo como objetivo expresso a "proteção da coletividade" (art. 1°, §1°).
No âmbito do Município de São Paulo, diversas normas já foram expedidas, entre as quais a Lei municipal 17.335/2020, que dispõe sobre as medidas excepcionais no âmbito dos contratos administrativos de prestação de serviços. De acordo com o seu artigo 3°, caput, a Administração Pública Municipal fica excepcionalmente autorizada a manter o pagamento mensal do contrato naqueles ajustes para os quais for indicada a suspensão total ou parcial dos serviços, deduzidas as despesas diretas e indiretas que efetivamente deixem de incorrer, garantindo o pagamento das despesas devidamente comprovadas com pessoal e encargos dos trabalhadores que deixem de prestar os serviços em razão da emergência e calamidade pública. A condição para a manutenção dos repasses é a não demissão dos empregados afetos à prestação do serviço no período em que perdurar a medida excepcional (artigo 3°, §4°, inciso I).
Conforme apontado pela Chefia do Executivo, no ofício de encaminhamento ao projeto de lei que resultou na norma referida:
Extrai-se, portanto, que a emergência do surto do Covid-19 como calamidade pública gerará efeitos na economia municipal (...).
Por todo exposto, no âmbito dos contratos administrativos de execução continuada firmados pelo Município de São Paulo, a situação exige a implementação de um regime excepcional, com o objetivo de salvaguardar o interesse público e a continuidade da prestação dos serviços públicos, bem como a manutenção da renda dos trabalhadores e profissionais terceirizados que prestam serviços à Administração Pública de forma contínua.
Trata-se do legítimo exercício, pelo Município de São Paulo, de implementar a finalidade adstrita ao desenvolvimento nacional sustentável (art. 3°, caput, da Lei 8.666/93), verdadeira política pública compatível com o estado de emergência em que se vive. Como bem apontado pela SMADS/AJ, é o "Estado agindo para manter a economia ativa, mantendo as relações empregatícias, de forma a evitar o colapso econômico-social."
Ocorre que a própria lei estende a incidência da manutenção de pagamento aos seus entes parceiros, ex vi de seu artigo 6°1.
A dúvida jurídica específica envolve a condição peculiar dos educadores/oficineiros, microempreendedores individuais (sem vínculo empregaticio com o ente parceiro), e a incidência do preceito municipal cujo propósito é assegurar a manutenção da mão de obra, evitando-se o desemprego e o agravamento econômico-social.
A resposta é positiva, ou seja, os educadores/oficineiros, embora detenham vínculo jurídico específico com as organizações parceiras, estão acobertados pelo regime que assegura a manutenção do pagamento aos entes parceiros, de modo a garantir o pagamento das despesas com pessoal e os encargos dos trabalhadores. O próprio artigo 3°, §1°, reforça referido entendimento². Com acerto expôs a SMADS/AJ, para quem "se tal direito é garantido a empregado terceirizado, que sequer mantém vínculo direto com a OSC parceira, com mais razão para garantir ao empreendedor individual, que presta serviços diretamente a uma OSC com termo de colaboração firmado com SMADS." E concluiu: "Tais trabalhadores merecem uma proteção ainda maior do Estado, diante do vínculo direto com a OSC, razão pela qual entendemos que devem ser abrangidos como aqueles a quem sua remuneração deve ser mantida por força do caput do art. 3° c/c parágrafo 1° da Lei 17.335/2020, a fim de garantir a manutenção do seu sustento e diminuir os impactos econômico- sociais em decorrência da pandemia do coronavírus."
De fato, concluir de modo diverso seria desprestigiar o objetivo nuclear da norma, afetando de modo deletério a massa de educadores/oficineiros que prestam serviços às entidades sociais parceiras da Prefeitura. Como acentuado por Carlos Maximiliano, em passagem já clássica, "deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis".³
Evidentemente, à luz dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, o contexto que resulta na paralisação da prestação de serviços pelos educadores/oficineiros deve ser antecedido da análise da possibilidade de (a) realocação dos prestadores em outros serviços que não tenham tido suas atividades suspensas (artigo 3°, §2°, da Lei municipal 17.335/2020); ou (b) manutenção das atividades por meio remoto, caso tecnicamente possível.
À consideração superior.
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São Paulo, 06/05/2020
RODRIGO BORDALO RODRIGUES
Procurador Assessor - AJC
OAB/SP 183.508
PGM
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De acordo.
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São Paulo, 06/05/2020
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
PROCURADORA ASSESSORA CHEFE
OAB/SP 175.186
PGM / AJC
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1 In verbis: "As disposições dos arts. 3° a 5° desta Lei também se aplicam aos ajustes decorrentes da Lei Federal n° 13.019, de 31 de julho de 2014, e da Lei n° 14.132, de 24 de janeiro de 2006, bem como demais contratos, ajustes e parcerias desde que o seu objeto contemple serviços contínuos com alocação de mão de obra não eventual."
2 In verbis: "As ausências dos trabalhadores terceirizados decorrentes do cumprimento desta Lei serão consideradas faltas justificadas, nos termos do art. 3°, § 3° da Lei Federal n° 13.979, de 6 de fevereiro de 2020."
3 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 166.
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processo nº 6510.2020/0006686-7
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL
ASSUNTO: Consulta. Parceiras firmadas pelo Município. Situação dos educadores/oficineiros.
Cont. da Informação n° 535/2020 - PGM.CGC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhora Procuradora Geral
Encaminho o presente com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho integralmente.
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São Paulo, 06/05/2020
TIAGO ROSSI
COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO
OAB/SP 195.910
PGM
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processo nº 6510.2020/0006686-7
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL
ASSUNTO: Consulta. Parceiras firmadas pelo Município. Situação dos educadores/oficineiros.
Cont. da Informação n° 535/2020 - PGM.CGC
SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL
Senhora Chefe de Gabinete
Nos termos do encaminhamento constante no doc. SEI 028311563, restituo o presente com o entendimento da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho na íntegra.
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São Paulo, 07/05/2020
MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ
PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP n° 169.314
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo