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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.954 de 13 de Fevereiro de 2019

EMENTA N° 11.954
Multa administrativa. Desrespeito ao embargo. Valor equivocado, inferior ao prescrito na legislação. Possibilidade de anulação, com a lavratura de novo auto de multa referente ao mesmo ato infracional, com o valor correto, de forma a restaurar a legalidade. Prazo decadencial de cinco anos para exercício do ius puniendi, apontado na Ementa n° 11.499-PGM, não decorrido.

Processo nº 2016-0.042.113-6

INTERESSADO: SUBPREFEITURA DO CAMPO LIMPO

ASSUNTO: Processo de fiscalização. Obra irregular. Auto de multa por desrespeito ao embargo lavrado com valor a menor. Retificação.

Informação n° 206/2019 - PGM.AJC

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Senhor Coordenador Geral

Trata-se de processo de fiscalização referente a um prédio construído irregularmente e que, hoje, encontra-se com as obras acabadas, mas não habitado, cf. fls. 44 e informação de fls. 45. Durante a construção, o proprietário foi multado por executar edificação nova sem o devido alvará, e as obras foram embargadas (fls. 15/16). Em razão do desrespeito ao embargo, foram aplicadas três multas (fls. 29, 50 e 51), sendo que, segundo informado às fls. 52, o auto de multa de fls. 50 estaria com valor menor porque foi considerada, equivocadamente, a metragem de fls. 8 (área irregular ainda durante a fase inicial da obra) em vez da de fls. 26. Questionou-se, então, se a multa poderia ser mantida, eis que o erro favorece o munícipe.

Encaminhado, o processo, a SMSUB/SGUOS, o órgão manifestou-se às fls. 55 no sentido de que o Memorando 21 /SAR/ATAJ/2000 prevê e procedimentaliza a retificação do valor de multas aplicadas 'a maior', mas não há norma que disponha sobre a retificação de multas lavradas 'a menor'. SMSUB/ATAJ, por sua vez, posicionou-se às fls. 63/65, notando a existência de parecer do ano de 2004 desta Procuradoria, não totalmente conclusivo, no sentido da manutenção de penalidade com valor 'a menor', eis que tal medida não prejudica - mas favorece - o munícipe, evitando-se a anulação da autuação, quando a fiscalização não puder ser repetida. Ao final, o órgão questiona esta assessoria a respeito da existência de parecer definitivo sobre a matéria.

É o relato do necessário.

Embora não haja parecer pretérito específico sobre a questão ventilada neste processo, há manifestação que julgamos poder ser utilizada no caso tratado nestes autos.

Na Ementa 11.499-PGM, de 2010, foi fixado o seguinte entendimento:

"as sanções decorrentes do poder de polícia, exercido na defesa do meio ambiente, devem ser aplicadas em processos administrativos, nos quais são assegurados os princípios do contraditório e o da ampla defesa, nos termos do artigo 46 da Lei Municipal n° 14.141/06. Referido texto legal não estabelece a prescrição da ação punitiva da Administração Pública, no exercício do poder de polícia, para apurar infração à legislação ambiental.

Por outra parte, no âmbito federal, foi editada a Lei n° 9.973/99, que fixa o prazo prescricional incidente no jus puniendi administrativo - 05 (cinco) anos contados da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado:

'Art. 1º Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração ã legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.'

Comentando aquele texto federal, MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO ressalta que em se tratando 'de punição decorrente do exercício do poder de polícia, a Lei n° 9.873, de 23-11-99, estabelece prazo de prescrição de cinco anos para a ação punitiva da Administração Pública Federal, Direta e Indireta, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. Em caso de paralisação do procedimento administrativo de apuração de infração, por período superior a três anos, também incide a prescrição, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação. Se ao fato objeto da ação punitiva da Administração corresponder crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.'1 (grifos nossos).

Considerando que não há no Município de São Paulo a definição do prazo prescricional para aplicação de sanções decorrentes de fiscalização e que tais medidas são prescritíveis, permitimo-nos sugerir que: (a) seja deflagrada a atividade fiscalizatória logo após a ciência da infração, garantido o direito da ampla defesa em todas as fases do processo, notadamente na da aplicação das respectivas sanções e (b) seja adotada, ad cautelam, por analogia, o prazo qüinqüenal da Lei Federal n° 9.873/99, contados da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado, até definição de prazo específico no âmbito municipal.

Isto porque (1) a Administração e o próprio Poder Judiciário encontram limites temporais para a aplicação das sanções que expressam o exercício do poder punitivo2 (2) nos termos do voto proferido pelo Ministro Moreira Alves, no MS 20069, se a lei vigente não estabelece prazo para a prescrição, a lacuna deve ser suprida por analogia:

'Por conseguinte, se a ação administrativa é prescritível, mas a lei não fixa o prazo de prescrição, o problema se resolve de acordo com o estabelecido no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil."'

Referido entendimento foi reafirmado na Informação n° 403/2011-PGM.AJC:

"Inexiste, no âmbito municipal, norma prevendo um prazo para o exercício do poder sancionador pela Administração. Existem tão somente alguns prazos específicos, como o do Estatuto do Servidor, para o exercício do poder disciplinar3, e o da Lei Geral de Processo Administrativo vigente no Município, que dispõe sobre o prazo para o exercício do poder de autotutela4

Isso, entretanto, não significa que, como regra, o poder sancionador da Administração pode ser exercido a qualquer tempo, pois a inexistência de prazo em todo e qualquer caso de ação sancionadora contrariaria, potencialmente, o princípio da segurança jurídica, que exige a estabilização das relações.

Daí porque, no parecer que deu origem à Ementa n° 11.499, entendeu a i. Procuradora oficiante que:

(...)

Tal entendimento é manifestado também por Fábio Medina Osório, para quem 'inexistindo prazo prescricional à determinada sanção administrativa, imperioso o recurso à analogia, suprindo-se eventual omissão do legislador, que está obrigado, constitucionalmente, a regular essa matéria. Essa analogia poderá ser usada tanto internamente no sistema administrativo, quanto externamente, socorrendo-se do sistema penal, dependendo do grau de aproximação entre as figuras típicas comparadas, ou com os bens jurídicos em jogo'5.

De fato, apesar da Lei federal 9.873/99 não se aplicar diretamente à Administração municipal, o prazo qüinqüenal nela constante pode ser utilizado como referência - exceto, obviamente, quando houver algum prazo específico instituído pelas normas municipais, caso em que se aplicará o previsto na lei específica, ou no momento em que um prazo geral vier a ser previsto no âmbito municipal."

Anos depois, na Informação n° 866/2013-PGM.AJC, reiteramos o entendimento, e afirmamos sua validade inclusive para multas contratuais:

"Apesar das referidas manifestações deste órgão terem como substrato fático a aplicação de multas com fundamento no exercício poder de polícia, cremos que o mesmo entendimento se adequa às penalidades administrativas contratuais. A base jurídica para o entendimento manifestado pela Procuradoria é a impossibilidade das pessoas ficarem eternamente sujeitas à penalização pela administração Pública - e isso independe do fundamento direto da multa: se o contrato ou o exercício da polícia administrativa.

Portanto, nos termos dos citados precedentes, e diante da falta de previsão de um prazo específico para aplicação de multa contratual, entendemos aplicável, por analogia, o prazo decadencial qüinqüenal geral previsto na Lei federal n° 9.873/99 para o início do procedimento sancionatório."

A discussão neste processo não diz propriamente respeito ao prazo decadencial para aplicação de multas administrativas, mas nos parece que os entendimentos a respeito do assunto, firmados nos pareceres citados, são relevantes para a resolução da questão.

Conforme manifestação da Subprefeitura, uma das multas foi aplicada erroneamente, com valor inferior ao previsto em lei. Portanto, torna-se necessário restaurar a legalidade, revendo-se a penalidade - o que importa na anulação da multa erroneamente aplicada, com a imediata lavratura de novo auto de multa, em substituição ao anterior, desta vez com o valor correto. Não nos parece haver impedimento jurídico para a lavratura de um novo auto de multa em substituição ao anterior (portanto, referente à mesma infração, mesma data, mesmo fato gerador, etc.), dado que a Administração Pública pode rever seus próprios atos, quando ilegais, e o prazo decadencial para aplicação da penalidade, nos termos dos pareceres acima compilados, é de cinco anos, por aplicação analógica da Lei federal n° 9.873/99, salvo existência de prazo específico na legislação.

Importa frisar que não estamos falando em alterar campos do auto de multa já lavrado ou substituir a CDA, numa execução fiscal, com alteração do campo referente ao valor - o que não vem sendo admitido pelo Judiciário. O que indicamos, para o caso em análise, é a anulação da multa aplicada com a lavratura de novo auto, em substituição ao cancelado, o que não se assemelha às situações citadas.

Em nossa opinião, a solução de se manter a multa erroneamente aplicada, com valor a menor, apenas em razão da ausência de prejuízo ao munícipe, peca por estabilizar uma situação ilegal que, ainda que beneficie o munícipe, prejudica a coletividade. Ademais, isso poderia dar ensejo a toda sorte de conluios entre agentes do Estado e particulares, eis que, a prevalecer tal entendimento, a conduta estatal benéfica ao munícipe nunca poderia ser revista para se adequar ao que preceitua a legislação, pondo em cheque princípios como a isonomia e a moralidade administrativa, para além do princípio da legalidade.

Parece-nos que o entendimento no sentido da estabilização do ato ilegal, nos casos de multas aplicadas num valor inferior ao preceituado na legislação, só poderá ser empregado em situações nas quais a Administração não pode lavrar novo auto de multa pelo valor correto: como quando ultrapassado o prazo decadencial para a aplicação da multa.

Finalmente, considerando que as obras na edificação irregular estão finalizadas, recomenda-se que a Subprefeitura tome urgentemente as medidas necessárias para o efetivo fechamento físico do prédio, de modo a evitar a sua ocupação, e encaminhe, o mais rápido possível, os elementos necessários à propositura de ação demolitória ao DEMAP.

Sub censura.

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São Paulo, 13/02/2019.

RODRIGO BRACET MIRAGAYA

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP Nº 227.775

PGM

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De acordo.

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São Paulo, 14/02/2019.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

Procuradora Assessora Chefe - AJC

OAB/SP 175.186

PGM

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1 Direito administrativo. 14 ed. São Paulo: Atalas, 2004, p.611.

2 NASSAR, Elody. Prescrição na administração pública. São Paulo: Saraiva, 2004, p.69.

3 Lei 8.989/79, com as alterações da Lei 10.181/06:

"Art. 196. Prescreverá:

I -em 2 (dois) anos, a falta que sujeite às penas de repreensão ou suspensão;

II - em 5 (cinco) anos, a falta que sujeite às penas de demissão, demissão a bem do serviço público e de cassação de aposentadoria ou disponibilidade.

Parágrafo único - A falta também prevista como crime na lei penal prescreverá juntamente com ele, aplicando-se ao procedimento disciplinar, neste caso, prazos prescricionais estabelecidos no Código Penal, quando superiores a cinco anos."

4 Lei 14.141/06, com as alterações introduzidas pela Lei 14.614/07:

"Art. 48-A. A Administração, de ofício ou por provocação de pessoa interessada, anulará seus próprios atos, quando eivados de vicio que os tornem ilegais, salvo se:

I - ultrapassado o prazo de 10 (dez) anos contados de sua produção;

II - da irregularidade não resultar qualquer prejuízo;

III - forem passíveis de convalidação."

5 Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: RT, 2005, p. 541.

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Processo nº 2016-0.042.113-6

INTERESSADO: SUBPREFEITURA DO CAMPO LIMPO

ASSUNTO: Processo de fiscalização. Obra irregular. Auto de multa por desrespeito ao embargo lavrado com valor a menor. Retificação.

Cont. da Informação n° 206/2019 - PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhor Procurador Geral

Encaminho, a Vossa Senhoria, a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho, no sentido de que é possível, no caso em questão, a anulação do auto de multa lavrado com valor errado e a imediata lavratura de novo auto de multa em substituição ao cancelado, referente ao mesmo fato, desta vez com o valor previsto na lei, considerando não ter decorrido o prazo decadencial quinquenal para o exercício do ius puniendi administrativo.

Endosso, ainda, a recomendação de que a Subprefeitura adote, urgentemente, as medidas necessárias para interdição efetiva do prédio, de modo a evitar a sua ocupação, bem como para que esta envie ao DEMAP os elementos necessários para ajuizamento de ação demolitória.

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São Paulo, 20/02/2019.

TIAGO ROSSI

Coordenador Geral do Consultivo

OAB/SP 195.910

PGM

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Processo nº 2016-0.042.113-6

INTERESSADO: SUBPREFEITURA DO CAMPO LIMPO

ASSUNTO: Processo de fiscalização. Obra irregular. Auto de multa por desrespeito ao embargo lavrado com valor a menor. Retificação.

Cont. da Informação n° 206/2019 - PGM.AJC

SECRETARIA MUNICIPAL DAS SUBPREFEITURAS

Senhor Presidente

Encaminho, o presente, com a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que endosso, no sentido de que é possível, no caso em questão, a anulação do auto de multa lavrado com valor errado e a imediata lavratura de novo auto de multa em substituição ao cancelado, referente ao mesmo fato, desta vez com o valor previsto na lei, considerando não ter decorrido o prazo decadencial quinquenal para o exercício do ius puniendi administrativo.

Acompanho, ainda, a recomendação de que a Subprefeitura adote, urgentemente, as medidas necessárias para interdição efetiva do prédio, de modo a evitar a sua ocupação, bem como para que esta envie ao DEMAP os elementos necessários para ajuizamento de ação demolitória.

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São Paulo, 01/03/2019.

GUILHERME BUENO DE CAMARGO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 188.975

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo