Processo n° 2012-0.153.631-2
INTERESSADO: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
ASSUNTO: Inquérito administrativo-Acúmulo ilícito de cargos e proventos de aposentadoria.
Informação n° 1.291/2018-PGM.AJC
PGM/CGC
Senhor Coordenador
O presente expediente foi encaminhado pela Diretoria de Departamento PROCED a esta Coordenadoria para análise da viabilidade jurídica de acumulação de proventos de aposentadoria da servidora pública municipal xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, tendo em vista o esgotamento das vias disciplinares.
Revolvendo os autos do Processo Administrativo n° 2012-0.153.631-2, constatou-se que, em 05 de janeiro de 2012, a Municipalidade declarou a ilicitude do acúmulo dos cargos efetivos exercidos pela interessada, quais sejam, Técnico de Laboratório SQC III QSS, pertencente ao quadro da Coordenadoria de Controle de Doenças do Instituto Adolfo Lutz - Secretaria de Estado da Saúde, e Auxiliar Técnico em Saúde Nível I (Hemoterapia) - Secretaria Municipal de Saúde.
Ato contínuo, a interessada sofreu averiguação preliminar na Autarquia Hospitalar Municipal, a fim de se perquirir a boa ou a má-fé da referida servidora quanto ao acúmulo ilícito dos cargos exercidos por ela nas esferas municipal e estadual.
No relatório conclusivo da comissão constituída em sede de averiguação preliminar (fls. 21/24), opinou-se pela caracterização da má-fé da servidora, haja vista que se mostrou renitente em fazer a opção por um de seus cargos efetivos quando instada pela Municipalidade.
Enviados os autos a PROCED, instaurou-se Inquérito Administrativo em 12 de julho de 2012(fls. 39).
No curso da marcha processual, a interessada se aposentou na data de 01 de fevereiro de 2014.
Em parecer exarado pela comissão processante (fls. 358/366), concluiu-se que de fato a interessada havia agido de má-fé, não havendo alternativa senão cassar sua aposentadoria "nos termos do inciso I, do artigo 191, da Lei nº 8989/79, por cometimento de Procedimento Irregular de Natureza Grave e Acúmulo Ilícito de Cargos Públicos, com fulcro nos incisos III e IV, do artigo 188, por infração ao "caput" do artigo 179, inciso XI do artigo 178 e "caput" do artigo 58, todos da Lei Municipal n° 8989/79"(fls.365/366).
Nesse diapasão, opinaram pela cassação da aposentadoria da interessada a Procuradora Chefe de PROCED (fls. 367/369) e o Procurador Diretor de PROCED (fls. 370).
Remetido o feito para a Secretaria de Negócios jurídicos, houve manifestação da Assessoria Jurídica, a qual ponderou os fatos apresentados e suscitou dúvida quanto à possibilidade jurídica do acúmulo. Além disso, pugnou pela ocorrência de prescrição e alçou a Ementa n° 11.594 PGM (fls. 371/371-v).
Em remessa à PGM para análise, esta Assessoria Jurídíco-Consultiva fez considerações quanto à prescrição e sobre a similitude entre os cargos efetivos ocupados pela interessada, entendendo ser necessária a submissão da questão ao Departamento de Recursos Humanos da Secretaria Municipal de Gestão (fls. 381/385).
A SMG-COGEP, às fls. 395/396-v, manifestou-se no sentido de que haveria similitude entre as carreiras de Técnico de Laboratório no Instituto Adolfo Lutz e Técnico de Hemoterapia na PMSP, além de considerar transparente a conduta da interessada em relação ao vínculo estadual que possuía.
Cientificada, a Secretaria Municipal de Saúde anexou aos autos cópias extraídas de procedimento administrativo, no qual houve a demissão de servidora municipal em situação análoga (fls. 397/411).
Após os devidos esclarecimentos, os autos retornaram à PROCED. Na ocasião, a diretoria do departamento opinou pela absolvição da interessada com supedâneo nos seguintes motivos: a) houve mais de 20 anos de acúmulo ilícito, b) a Administração Pública Municipal quedou-se inerte, c) a servidora recolheu as devidas contribuições prevídenciárias e desempenhou suas funções satisfatoriamente, d) a interessada não escondia o vínculo estadual que possuía, e) existência de julgados que corroboram a conclusão do parecerista. (fls. 457/461)
Tal manifestação foi acompanhada pela Coordenadoria Geral do Consultivo (fls. 462) e pelo Procurador Geral do Município (fls. 463).
Após a absolvição da interessada ter sido exarada pelo Secretário Municipal de Justiça (fls. 464), o feito foi remetido para a SMG/COJUR para manifestação sobre a percepção simultânea das aposentadorias pela interessada.
Com embasamento no artigo 40, § 6º da Constituição Federal de 1988, a Secretaria Municipal de Gestão se posicionou pela impossibilidade de percepção das duas aposentadorias pela servidora em comento (fls. 467/468).
Por derradeiro, os autos novamente foram remetidos à PROCED. Em manifestação, a diretoria do aludido departamento ponderou que a esfera disciplinar havia se esgotado, enviando os autos a esta Coordenadoria para providências.
É o relatório.
A despeito das pertinentes considerações apresentadas peia SMG/COJUR (fls. 467/468) no que toca à impossibilidade de percepção de mais de uma aposentadoria por parte da servidora xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, as particularidades do presente expediente demandam uma análise pontual, sem pretensões de estabelecer teses gerais acerca do tema.
De fato, a exegese literal dos artigos 37, inciso XVI, alínea "c" e 40, § 6º, ambos da Constituição Federal de 1988, leva ao entendimento de que a percepção de dois proventos atinentes ao acúmulo de dois cargos de profissionais da saúde só pode se dar nas hipóteses de profissões regulamentadas.
Destaca-se também que esta AJC já se manifestou nos autos no sentido da ausência de regulamentação específica do cargo de Auxiliar Técnico em Saúde - Hemoterapia, conforme Informação n° 1316/2015-PGM. AJC (fls. 381/385), não obstante a controvérsia apontada nos autos.
Todavia, consoante já demonstrado no bojo do Inquérito Administrativo instaurado em face da servidora, há similitude no que toca às atribuições por ela exercidas, seja no cargo de Técnico de Laboratório, exercido no âmbito do Governo do Estado de São Paulo, seja no cargo de Auxiliar Técnico em Saúde, outrora denominado Técnico de Hemoterapia, no âmbito da Prefeitura Municipal de São Paulo.
Ademais, restou comprovada a boa-fé da servidora, razão pela qual fora absolvida das imputações que lhe foram atribuídas no bojo do Inquérito.
Dessa forma, as questões que se colocam - face às particularidades do caso - guardam vínculo com a possibilidade de percepção de dois proventos de aposentadoria oriundos de RPPS distintos - Prefeitura do Município de São Paulo e Governo do Estado de São Paulo.
Diante da excepcional situação fática com repercussões jurídicas sob análise, a exegese mais consentânea com o ordenamento jurídico aponta para a possibilidade de acumulação dos proventos de aposentadoria da interessada.
Primeiramente, deve-se ter em consideração que as providências apuratórias por parte da municipalidade tiveram início mais de vinte anos após o ingresso da servidora.
Nesse ponto, há que se destacar a divergência jurisprudencial que norteia o tema atinente à possibilidade, ou não, de revisão a qualquer tempo, pela Administração, de atos administrativos que afrontem a Constituição Federal.
Não obstante os entendimentos recentes no âmbito do Superior Tribunal de Justiça1 no sentido de que o acúmulo ilegal de cargos seria passível de investigação a qualquer tempo, eis que eivados de nulidade de caráter constitucional, é cediço que a questão atinente à existência de prazo para revisão, por parte da Administração Pública, de atos contrários à Carta Magna, ainda não resta pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, haja vista o reconhecimento de repercussão geral no Recurso Extraordinário n° 817.338/DF. Veja-se o excerto do voto do Ilmo. Relator Ministro Dias Toffoli para elucidar a questão:
O segundo tema constitucional abordado em ambos os recursos aviados traz o seguinte questionamento: as situações flagrantemente inconstitucionais podem ser superadas pela incidência do que dispõe o art. 54 da Lei nº 9.784/99 ou será perpétuo o direito da Administração Pública de rever seus atos em situações de absoluta contrariedade direta à Constituição Federal? A repercussão na esfera econômica é manifesta se observados os dados colacionados pelo Ministério Público Federal no sentido de que as anistias questionadas podem gerar uma folha mensal de despesas que pode superar a casa dos dezesseis (16) milhões de reais, podendo os valores retroativos pendentes, por sua vez, alcançar a marca de meio bilhão de reais. Ressalto, ademais, que há evidente interesse jurídico na definição das teses no presente caso. Isso porque, em primeiro lugar, é expressivo o número de feitos atualmente em trâmite nesta Corte nos quais se discute a decadência do direito da Administração Pública de anular atos eivados de absoluta inconstitucionalidade.
Aliás, conquanto haja importante precedente consubstanciado no MS nº 28.279/DF, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, no qual restou decidido que situações flagrantemente inconstitucionais não podem e não devem ser superadas pela simples incidência do prazo decadencial da Lei nº 9.784/99, a questão continua a ser reiteradamente submetida a este tribunal, sendo que sobre ela não há, ainda, um posicionamento definitivo e vinculante desta Suprema Corte. Convém observar, também, o teor de cada um dos debates formados no julgamento das seguintes demandas subjetivas: MS nº 26.860/DF, de relatoria do Ministro Luiz Fux, Pleno, julgado em 2/4/14; MS nº 28.371/DFAgR, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, Pleno, julgado em 13/12/12; e MS nº 28273/DF-AgR, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, Pleno, julgado em 13/12/12.
Dessa forma, a despeito dos entendimentos jurisprudenciais contrários à possibilidade de reconhecimento de efeitos jurídicos em hipóteses de afronta à Constituição, não se pode olvidar que as particularidades da situação fática, notadamente a boa-fé da interessada, o decurso de longo prazo até a adoção de providências por parte da municipalidade, tendo sido inclusive suscitado questionamento acerca da prescrição pela SNJ.G (fis. 371), e ainda a controvérsia levantada acerca da similitude das atribuições exercidas pela interessada, consoante indicado por PROCED na Informação 1106/2017 (fls. 457), são fatores que influenciam o razoável exame do expediente.
Como aventado nos autos, restou consignada a boa-fé da interessada, conforme decisão absolutória de fls 464. Outrossim, mesmo diante dos entendimentos que chegaram a apontar no sentido da demissão - e ainda da cassação da aposentadoria, haja vista que a interessada se aposentou durante a marcha procedimental - a instância disciplinar competente ponderou pela absolvição da servidora.
De mais a mais, depreende-se dos autos que a servidora recolheu efetivamente, nos termos das legislações vigentes, contribuições durante todo o período em que esteve vinculada à PMSP, fonte de custeio diversa do Governo do Estado de SP, sem prejuízo ao erário.
Diante disso, não obstante a exegese literal da Constituição Federal acerca da inacumulabilidade de proventos nas hipóteses de exercício de cargos inacumuláveis, entende-se como cabível ponderar a legalidade estrita com a razoabilidade e a segurança jurídica.
Cabe destacar que a excepcional possibilidade de recebimento de proventos em decorrência de acúmulos considerados irregulares na origem já foi objeto de apreciação pelo judiciário pátrio. No caso em tela, embora as profissões exercidas pela profissional de saúde fossem regulamentadas, a irregularidade apontada decorria de excesso de jornada. Todavia, a situação jurídica se protraiu por mais de trinta anos, razão pela qual fez-se imperiosa verdadeira ponderação de valores no intuito de se ver garantido o direito ao acúmulo:
"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. PROFISSIONAL DE SAÚDE. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. ARTIGO 37, XVI, C, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. PARECER GQ-145. AUSÊNCIA DE FORÇA NORMATIVA. PRECEDENTES. DESEMPENHO DOS CARGOS POR MAIS DE 30 (TRINTA) ANOS. RAZOABILIDADE. APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE.
1. Sentença que julgou procedente o pedido (art. 269. I, do C.P.C), para determinar que a Ré se abstivesse de praticar atos que limitassem a acumulação remunerada de cargos privativos de profissional de saúde pela Autora, bem como de obstar a aposentadoria requerida, sob o fundamento de ilicitude da acumulação de cargos.
2. As jornadas de trabalho dos cargos descritos na exordial à época em que a Autora exercia o cargo de enfermeira na Administração Estadual poderiam ser compatibilizadas mediante escala de serviço com a Administração Federal. Não se pode prejudicar a Autora por presunção de que a realização de jornada de trabalho superior a sessenta horas compromete a qualidade do serviço prestado.
3. Pelos documentos acostados aos autos, verifica-se que a Autora cumpria seu horário sem qualquer sobreposição, inclusive não há relato de qualquer desídia da Servidora. À Exemplo, destacam-se os documentos, referentes ao mês de outubro de 2011, onde consta que a Autora cumpria carga horária total de 72,5 horas semanais nos dois cargos de enfermeira, sendo que no Hospital Naval Marcílio Dias, à época cumpria carga horária de 40 horas semanais, escala noturna (12x60), em outubro de 2011 estava de plantão nos dias 01, 04, 07, 10, 13, 19, 22, 25, 28 e 31 e no Hospital do IASERJ cumpria carga horária de 32,5 horas semanais, no horário das 07h às 19h, e que no mês de outubro de 2011, estava de plantão nos dias 02, 05, 08, 11, 14, 17, 20, 23, 23 e 29.
4. Depreende-se que a Autora ocupou cargo de enfermeira no Hospital do IASERJ. desde 25.11.1980, tendo sido aposentada em 11/06/2012 e no Hospital Naval Marcílio Dias, desde 06.01.1981, sem qualquer manifestação em contrário de quaisquer dos entes políticos ao longo dos anos. Na hipótese trazida aos autos, a Postulante desempenhou os dois cargos em apreço por mais de 30 (trinta) anos, não sendo agora razoável obstar sua aposentadoria no âmbito federal, sob o fundamento de ilícita acumulação.
5. Pode-se confirmar que a Autora suportou uma carga semanal de trabalho compatível com os dois cargos e que não houve choque de horários em ambos os cargos públicos ocupados, principalmente em razão da escala.
6. A garantia de cumulação de dois cargos privativos de profissionais de saúde encontra previsão no art. 37, inciso XVI, alínea c, da Constituição Federal, com a nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 34, de 13 de dezembro de 2001. Tal hipótese é assegurada desde que haja compatibilidade de horários e que seja respeitado o teto remuneratório previsto no art. 37, XI, consoante o inciso XVI deste mesmo dispositivo.
7. A Lei nº 8.112/90, em seu art. 118, § 2º, também condiciona a acumulação à compatibilidade de horários, o que é o caso, não havendo qualquer previsão de carga horária máxima.
8. O Parecer GQ-145 da AGU, de 30.08.98, não tem força normativa que possa preponderar sobre a garantia constitucional.
9. Precedentes: STJ: MS 15.415/DF, Relator Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, DJe 04/05/2011; TRF2: AC nº 2011.51.01.014836-6/ RJ - Relator Desembargador Federal Guilherme Couto Sexta Turma Especializada - E-DJF2R: 18/10/2012; APELREEX nº 201050010156265/ RJ - Relator Juiz Federal Convocado Ricardo Perlingeiro - Quinta Turma Especializada - E-DJF2R: 28/02/2012.
10. A Ré informou ter aposentado a Autora, pela Portaria nº 1468, de 5 de dezembro de 2013, em cumprimento à antecipação de tutela deferida pelo Juízo a quo.
11. Apelação e remessa necessária desprovidas."2
Compulsando-se a documentação acostada, constatou-se haver compatibilidade de horários entre as funções desempenhadas pela interessada, haja vista ter exercido o cargo de Técnico de Hemoterapia - I no Hospital Alexandre Zaio em regime de plantão, nas segundas-feiras e domingos, das 19h00rnin às 7h00min, enquanto exercia o cargo de Técnico de Laboratório SQC III QSS na Secretaria de Estado de Saúde de segunda às sextas-feiras de 10h00min às 14h00min, totalizando uma jornada semanal total de sessenta horas, em conformidade com a jurisprudência do STJ.3
Ademais, consta dos autos que o acúmulo declarado (fls. 4) não representou efetivamente mácula ao princípio da eficiência, notadamente diante dos elementos já exaustivamente relatados no processo disciplinar de que a interessada cumpriu com seu mister de forma satisfatória e em conformidade com o interesse público.
Não se pode olvidar, ademais, da legítima expectativa da interessada à aposentação. O longo período em que exerceu suas atribuições como Auxiliar Técnico em Saúde - Hemoterapia gerou certa confiança na estabilidade da relação jurídica, inclusive para fins previdenciários, em consonância com o princípio da segurança jurídica, em sua acepção subjetiva.
Calha ressaltar que o Tribunal de Justiça de São Paulo possui entendimento no sentido de que o decurso de tempo e a boa-fé do servidor mitigam a literalidade do dispositivo constitucional que veda a acumulação das aposentadorias4. Vejamos:
(...) Ocorre que, o caso dos autos apresenta peculiaridades que devem ser consideradas e afetam a solução da demanda. A admissão do impetrante em ambos os cargos ocorreu após a edição da Lei Federal n° 7394/1985, o Poder Público permaneceu inerte durante longos 17 (dezessete) anos, durante os quais o servidor exerceu suas atividades com risco para sua saúde e recolheu a sua contribuição prevídencíáría, fazendo jus, inclusive, a aposentadoria do cargo ocupado junto à Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo (...)
No mesmo voto, o ilustre Relator, sempre atento às especificidades do caso concreto, sopesou que o óbice ao direito de recebimento de proventos de aposentadoria após longo período de contribuição, ainda que em hipóteses de acúmulo ilícito, pode vir a configurar situação de desvantagem ao servidor.
"Com tais considerações, resta evidente que o atual reconhecimento do acúmulo ilícito de cargos viola o postulado da segurança jurídica e implica em criação de situação de desvantagem ao servidor, que já exposto em situação de risco à saúde, se verá obrigado a abrir mão de seus vencimentos ou proventos de aposentadoria."
Por isso, o entendimento acerca da literalidade do texto constitucional no que tange á outrora controversa irregularidade do acúmulo de proventos de aposentaria da interessada deve ser sopesado com o princípio constitucional da segurança jurídica (art. 5º da CF/88), da boa-fé e com os fatores excepcionais do caso em testilha.
Acerca da segurança jurídica, vem a calhar os sempre atuais ensinamentos de José dos Santos de Carvalho Filho, in verbis:
"As teorias jurídicas modernas sempre procuraram realçar a crise conflituosa entre os princípios da legalidade e da estabilidade das relações jurídicas. Se, de um lado, não se pode relegar o postulado de observância dos atos e condutas aos parâmetros estabelecidos na lei, de outro é preciso evitar que situações jurídicas permaneçam por todo o tempo em nível de instabilidade, o que, evidentemente, provoca incertezas e receios entre os indivíduos. A prescrição e a decadência são fatos jurídicos por meio dos quais a ordem jurídica confere destaque ao princípio da estabilidade das relações jurídicas, ou, como se tem denominado atualmente, ao princípio da segurança jurídica. Como já foi sublinhado em estudos modernos sobre o tema, o princípio em tela comporta dois vetores básicos quanto às perspectivas do cidadão. De um lado, a perspectiva de certeza, que indica o conhecimento seguro das normas e atividades jurídicas, e, de outro, a perspectiva de estabilidade, mediante a qual se difunde a ideia de consolidação das ações administrativas e se oferece a criação de novos mecanismos de defesa por parte do administrado, inclusive alguns deles, como o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, de uso mais constante no direito privado.
No direito comparado, especialmente no direito alemão, os estudiosos se têm dedicado à necessidade de estabilização de certas situações jurídicas, principalmente em virtude do transcurso do tempo e da boa-fé, e distinguem os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança. Pelo primeiro, confere-se relevo ao aspecto objetivo do conceito, indicando-se a inafastabilidade da estabilização jurídica; pelo segundo, o realce incide sobre o aspecto subjetivo, e neste se sublinha o sentimento do indivíduo em relação a atos, inclusive e principalmente do Estado, dotados de presunção de legitimidade e com a aparência de legalidade5."
In casu, não seria descabido afirmar que a interessada, como administrada, durante mais de vinte anos, supôs que a situação fática e jurídica em que se encontrava era legítima, inclusive no âmbito do inquérito administrativo, tendo agido de boa-fé, elemento já reconhecido nos autos.
Dessarte, entende-se como razoável que os efeitos dos atos realizados pela servidora enquanto na ativa, notadamente as contribuições vertidas ao RPPS da PMSP, sejam reconhecidos para fins de manutenção de seus proventos.
Ressalta-se que essa possibilidade excepcional não decorre da negação às regras constitucionais acerca da acumulação de proventos, mas de aplicação concreta dos princípios da razoabilidade, da boa-fé e da segurança jurídica, este analisado sob a acepção subjetiva.
Cabe, por fim, esclarecer que o presente expediente demandou análise particularizada, não tecendo considerações de ordem geral acerca da possibilidade de aposentação em situações de cargos inacumuláveis ou da prescritibilidade de irregularidades que afrontem texto da Constituição Federal, eis que exorbitam os limites da consulta.
Isso posto, sugere-se o encaminhamento do expediente à Secretaria Municipal de Saúde para ciência e demais providências.
À apreciação de Vossa Senhoria.
Mantido o acompanhante
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São Paulo, 17 de outubro de 2018.
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
Procuradora Assessora Chefe-AJC
OAB/SP 175.186
PGM/AJC
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1 MS 20148/DF, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, DJe 18.9.2013; AgRg no AgRg no AREsp n° 410992 ES 2013/0346285-4, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Dje 25/08/2014.
2 TRF 2ª Região. ED em Apelação Cível/Reexame Necessário n° 00178937820134025101. Relator Des. Marcus Abraham. 11ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Disponibilizado em 24/07/2015.
3 DIREITO ADMINISTRATIVO. INADMISSIBILIDADE DE JORNADA SEMANAL SUPERIOR A SESSENTA HORAS NA HIPÓTESE DE ACUMULAÇÃO DE CARGOS PRIVATIVOS DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE.
É vedada a acumulação de dois cargos públicos privativas de profissionais de saúde quando a soma da carga horária referente aos dois cargos ultrapassar o limite máximo de sessenta horas semanais. Segundo o que dispõe a alínea c do inciso XVI do art. 37 da CF, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI, a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas. Por se constituir como exceção à regra da não acumulação, a acumulação de cargos deve ser interpretada de forma restritiva. Ademais, a acumulação remunerada de cargos públicos deve atender ao princípio constitucional da eficiência, na medida em que o profissional da área de saúde precisa estar em boas condições físicas e mentais para bem exercer as suas atribuições, o que certamente depende de adequado descanso no intervalo entre o final de uma jornada de trabalho e o inicio da outra, o que é impossível em condições de sobrecarga de trabalho. Observa-se, assim, que a jornada excessiva de trabalho atinge a higidez física e mental do profissional de saúde, comprometendo a eficiência no desempenho de suas funções e, o que é mais grave, coloca em risco a vida dos usuários do sistema público de saúde. Também merece relevo o entendimento do TCU no sentido da coerência do limite de sessenta horas semanais - uma vez que cada dia útil comporta onze horas consecutivas de descanso interjornada, dois turnos de seis horas (um para cada cargo), e um intervalo de uma hora entre esses dois turnos (destinado à alimentação e deslocamento) - fato que certamente não decorre de coincidência, mas da preocupação em se otimizarem os serviços públicos, que dependem de adequado descanso dos servidores públicos (TCU, Acórdão 2.133/2005, DOU 21/9/2005). MS 19.336-DF, Rel. originária Min. Eliana Calmon, Rel. para acórdão Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 26/2/2014.
4 TJSP. Apelação Cível n° 0012252-22.2013.8.26.0053. 13ª Câmara de Direito Público. Relator Peiretti de Godoy. Julgado em 06/08/2014.0 inteiro teor do voto do Ministro Relator consta dos autos, conforme fls. 471/475.
5 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 32. ed. rev., atual, e ampl. - São Paulo: Atlas, 2018.
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Processo n° 2012-0.153.631-2
INTERESSADO: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
ASSUNTO: Inquérito administrativo - Acúmulo ilícito de cargos e proventos de aposentadoria.
Cont da Informação n° 1.291/2018-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhor Procurador Geral
Encaminho o presente, com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria, que acompanho, no sentido da viabilidade jurídica de manutenção da aposentadoria da servidora neste caso, tendo em vista a primazia dos princípios da segurança jurídica e da boa-fé.
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São Paulo, 31/01/2019
TIAGO ROSSI
Coordenador Geral do Consultivo
OAB/SP 195.910
PGM
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Processo n° 2012-0.153.631-2
INTERESSADO: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
ASSUNTO: Inquérito administrativo - Acúmulo ilícito de cargos e proventos de aposentadoria.
Cont da Informação n° 1.291/2018-PGM.AJC
SMS.G
Sr. Secretário
Encaminho o presente, com a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo desta Procuradoria, que acolho, no sentido da viabilidade jurídica de manutenção da aposentadoria da servidora neste caso, tendo em vista a primazia dos princípios da segurança jurídica e da boa-fé.
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São Paulo, 01/02/2019.
GUILHERME BUENO DE CAMARGO
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 188.975
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo