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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.890 de 5 de Setembro de 2018

EMENTA N° 11.890
Pedido de instauração de procedimento de regularização fundiária. Aplicabilidade da vedação contida na Lei Estadual n. 12.233/06, por força de remissão explícita da legislação municipal.

Processo nº 2018-9.000.447-9

INTERESSADO: Daiane Pereira Queiroz de Lima e outros.

ASSUNTO: Requerimento de regularização fundiária urbana de interesse social.

Informação n. 1063/2018-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Senhor Coordenador Geral

Trata o presente de requerimento de instauração de procedimento de regularização fundiária relativo a imóvel situado na altura do número 449, da Avenida Jaceguava, Balneário São José, Parelheiros.

Obtidos os elementos cadastrais pertinentes, CFR-DTR-2 observou que a área é atingida pela Lei Estadual n. 12.233/2006 - Lei Específica da Guarapiranga, que considera regularizáveis os assentamentos implantados até 2006, ao contrário da Lei Federal n. 13.465/17, que admite a utilização da legitimação fundiária em situações anteriores a 22.12.16. Em vista da lei estadual, o assentamento não seria passível de regularização, tendo sido considerada uma compensação de parâmetros urbanísticos, mas sem que tenha sido possível avaliar tal alternativa, que poderia ser desenvolvida mediante consulta à CETESB (fls. 79/80).

A Coordenadoria, contudo, entendeu inviável a aplicação do marco temporal definido na Lei n. 13.465/17, em razão da restrição temporal estabelecida na legislação estadual, solicitando manifestação de SEHAB-ATAJ previamente ao indeferimento do pedido (fls. 81).

SEHAB-ATAJ, por sua vez, entendeu que o esforço normativo feito em âmbito federal não pode ficar na dependência de leis locais que fixem datas restritivas à regularização. A lei estadual somente restringiria a aplicação dos instrumentos de regularização por ela previstos, não afastando outros instrumentos que viessem a ser criados pela União. Seriam possibilidades de regularização distintas, de modo que o fato de o assentamento ser posterior a 2006 não ensejaria o indeferimento do pedido. O indeferimento poderia decorrer de uma análise ambiental desfavorável, nos termos da lei federal, ou do fato de não se tratar de loteamento consolidado. Além disso, a legitimação fundiária de imóveis públicos constituiria uma faculdade da Administração, o que poderia ser aplicado no caso. De todo modo, o indeferimento imediato do pedido de regularização, com base no critério temporal, seria medida prematura, ao passo que a comunicação ao juízo seria inadequada, já que, não cabendo à Administração suspender decisões judiciais, nada impediriam que os interessados informassem o órgão julgador. Por fim, em vista da provável existência de outros casos semelhantes, a Assessoria formulou consulta a esta Coordenadoria, relativa ao possível afastamento dos instrumentos de regularização fundiária previstos na Lei n. 13.465/17 em virtude do disposto na Lei Estadual n. 12.233/06, que restringe a regularização de ocupações àquelas existentes ao tempo de sua promulgação (fls. 82/94).

É o relatório do essencial. 

Com o devido acatamento, não parece possível acompanhar os argumentos lançados por SEHAB-ATAJ.

Com efeito, a Lei Federal n. 13.465/17 não exige a regularização dos assentamentos informais anteriores a 22.12.2016. Na verdade, tal lei apenas define um limite temporal para a utilização de um instrumento específico, a legitimação fundiária. Trata-se, no mais, de uma vedação à utilização do instrumento, e não de uma ampliação das hipóteses de regularização fundiária a quaisquer assentamentos ocorridos antes dessa data.

Não há, ademais, modalidades distintas de regularização conforme o instrumento considerado. Há uma só regularização, que pode valer-se, conforme a providência específica necessária, de qualquer instrumento previsto pela lei, ou mesmo de outros, já que o rol ali contemplado não é taxativo (art. 15, caput, da Lei n. 13.465/17). A admissibilidade da regularização tem critérios próprios, que não se confundem com a admissibilidade de cada um dos instrumentos que podem ser nela utilizados. De outra parte, a utilização dos instrumentos só deve ser considerada caso a regularização seja cabível. Não há instrumento adequado para possibilitar uma regularização que seja, em si, inviável.

O critério para a admissibilidade da regularização é, conforme bem observado por SEHAB-ATAJ, a consolidação do assentamento1. Considera-se núcleo urbano informal consolidado "aquele de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município" (art. 11, III).

Tal dispositivo, em harmonia com a autonomia municipal, remete à competência local para definir o que deve ser considerado consolidado e passível de regularização.

No âmbito do Município de São Paulo, há uma lei específica, que trata da regularização fundiária e define os limites em que ela pode ser utilizada, que é a Lei n. 15.720/13. Há notícia de que tal lei possa vir a ser atualizada, até mesmo em vista dos horizontes abertos pela legislação federal; no entanto, estando ela em vigor, não parece haver motivo para afastar sua aplicação. É o texto de tal lei:

Art. 2º A regularização fundiária de interesse social prevista no art. 1º desta lei poderá ser aplicada aos parcelamentos do solo para fins urbanos implantados irregularmente no Município de São Paulo até 30 de abril de 2000, desde que obedecidos os critérios fixados nesta lei e na legislação municipal em vigor.

§ 1º Na hipótese de parcelamentos irregulares situados em área de proteção e recuperação de mananciais aplicar-se-á o disposto na legislação estadual especifica, inclusive no que se refere à data limite de sua implantação, observando-se ainda o disposto na legislação municipal e federal, no que couber.

§ 2º Na hipótese de parcelamentos situados em áreas municipais, aplicar-se-ão os critérios já estabelecidos na legislação específica.

A lei municipal, portanto, adota limites temporais próprios, com expressa remissão à lei estadual. Neste caso, vale lembrar que o texto normativo municipal é de 2013, não podendo ensejar a crítica quanto a uma excessiva desatualização. Se houve remissão à legislação estadual, isso ocorreu com a ciência de que ela remontava ao ano de 2006, tendo-se de presumir que a vedação à regularização, nessa hipótese, decorreu de uma decisão deliberada do legislador paulistano.

De outra parte, não é aceitável afirmar que o esforço feito em âmbito federal deva sempre prevalecer em relação às normas locais. Por mais que se possa inferir do texto normativo federal que tal esforço tenha sido efetuado, o fato é que não há dispositivo expresso, na lei federal, no sentido de que ficam afastados os marcos temporais limitadores previstos anteriormente na legislação local, até porque o texto normativo federal não poderia interferir de tal modo na autonomia municipal2.

Na verdade, a Lei n. 13.465/17 apenas dispõe que a regularização fundiária, na forma ali estabelecida, não é impedida pela inexistência de lei municipal específica que trate de medidas ou posturas de interesse local aplicáveis a projetos de regularização fundiária urbana (art. 28, parágrafo único). No entanto, a situação em exame não é caracterizada pela inexistência de lei, mas pelo fato de o ente local, no exercício de sua autonomia, ter estabelecido um regime para a regularização fundiária, incluindo limites que remetem à legislação estadual, cuja aplicação, assim, não poderá ser recusada no caso.

É claro que eventual revisão da legislação municipal de regularização fundiária poderia considerar a alteração de tal critério, situação em seria recomendável considerar alguma espécie de compatibilização com as normas estaduais, talvez de acordo com uma negociação entre os entes envolvidos. No entanto, até que tal revisão se efetue, não parece possível deixar de aplicar o critério expressamente adotado pela lei em vigor, que condiciona a regularização fundiária em área de mananciais à observância da legislação estadual.

Assim sendo, atendida a consulta formulada, sugere-se o retorno à origem, para o devido prosseguimento.

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São Paulo, 05/09/2018.

JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP 173.027

PGM

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De acordo.

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São Paulo, 11/09/2018.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC

OAB/SP 175.186

PGM

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1 Cf. Pinto, Victor Carvalho. A Regularização Fundiária Urbana na Lei 13.465/2017. Disponível em: https://www.linkedin.com/pulse/regulariza%C3%A7%CB%A3ofundi%C3%A1ria-urbana-plv-122017-decorrente-carvalho-pinto?trk=mp-reader-card, acesso em 05.09.2018.

2 Conforme já se observou: "Com efeito, o novo marco regulatório da matéria constitui-se de normas federais/nacionais veiculadoras de normas gerais que não impedem o exercício da autonomia municipal para a disciplina do direito urbanístico; antes reforçam, a todo momento, por vezes até declinando do exercício da disciplina da matéria por norma geral, o protagonismo do Município na condução do processo de regularização urbanística e fundiária urbana, o que não poderia ser diferente, à luz do texto constitucional" (Correia, Arícia Fernandes, Direito da regularização fundiária urbana e autonomia municipal: a conversão da medida provisória n. 759/2016 na lei federal n. 13.465/2017 e as titulações da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro no primeiro quadrimestre de 2017, in Geo UERJ, Rio de Janeiro, n. 31, 2017, p. 193).

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Processo nº 2018-9.000.447-9

INTERESSADO: Daiane Pereira Queiroz de Lima e outros.

ASSUNTO: Requerimento de regularização fundiária urbana de interesse social.

Cont. da Informação n. 1063/2018-PGM.AJC

PGM

Senhor Procurador Geral

Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido de que, em vista da remissão expressa contida no art. 2º, § 1º, da Lei Municipal n. 15.720/13, a regularização fundiária por parte do Município deve ser considerada inviável nos casos de assentamentos que não observem o limite temporal previsto na legislação estadual, não havendo, assim, como cogitar a aplicação de novos instrumentos previstos na legislação federal em caso de inviabilidade da própria regularização.

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São Paulo, 20/09/2018.

TIAGO ROSSI

PROCURADOR DO MUNICÍPIO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

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Processo nº 2018-9.000.447-9

INTERESSADO: Daiane Pereira Queiroz de Lima e outros.

ASSUNTO: Requerimento de regularização fundiária urbana de interesse social.

Cont. da Informação n. 1063/2018-PGM.AJC

SEHAB

Senhora Chefe de Gabinete

Com o entendimento da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido de que não há fundamento jurídico para afastar a aplicabilidade da Lei Estadual n. 12.233/06 nos casos por ela disciplinados, tendo em vista a expressa remissão contida na Lei Municipal n. 15.720/13, que disciplina a regularização fundiária em âmbito municipal.

Acompanha o p.a. n. 2018-9.123.319-6.

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São Paulo, 01/10/2018.

GUILHERME BUENO DE CAMARGO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 188.975

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo