Ofício 4.533/2017-JUR
TID 17257503
INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
ASSUNTO: Representação. Inconstitucionalidade de decreto municipal.
Informação n° 0010/2018-PGM.AJC
COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
Assessoria Jurídico-Consultiva
Senhor Procurador Coordenador
O presente expediente foi inaugurado com ofício encaminhado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, que solicita manifestação sobre a constitucionalidade do Decreto municipal n.° 57.959, de 1º de novembro de 2017, bem assim sobre as providências que serão tomadas. A iniciativa do Parquet decorreu de representação formulada pelo Vereador Antonio Donato (cópia retro), que requereu a propositura de medida judicial visando à impugnação de referido regulamento.
Com o objetivo de subsidiar a resposta a ser dada ao Ministério Público, a Assessoria Técnica da Secretaria do Governo Municipal roga manifestação desta Procuradoria Geral a propósito da suposta inconstitucionalidade do Decreto n.° 57.959/17.
É o relatório do quanto necessário.
O Decreto municipal n.° 57.959, de 1º de novembro de 2017 instituiu a Casa Civil no Gabinete do Prefeito, tendo procedido pari passu a uma reorganização da Secretaria do Governo Municipal. É o que dispõe expressamente seus artigos 1º e 2º:
Art. 1º Fica instituída a Casa Civil no Gabinete do Prefeito.
Art. 2º A Secretaria do Governo Municipal fica reorganizada nos termos deste decreto.
Ocorre que, segundo o entendimento manifestado na represtação dirigida ao Parquet, a criação da Casa Civil feriu a Constituição Federal, porquanto a instituição de novo órgão dependeria de lei em sentido formal, sendo descabida a utilização de decreto para tal desiderato. Ofensiva, logo, ao artigo 61, §1°, inciso II, alínea "e", bem como ao artigo 84, inciso VI, alínea "a", todos da Carta Magna.
O argumento, contudo, não se sustenta.
A leitura solitária do artigo 1º do regulamento municipal levou ao equivocado entendimento acerca de sua inconstitucionalidade, ante a míope pressuposição da criação de órgão público. Porém, a instituição da Casa Civil na estrutura do Gabinete do Prefeito merece interpretação acoplada à reorganização da Secretaria do Governo Municipal, de modo a estarem imbricadas as disposições dos artigos 1º e 2º.
O que se verificou-se, a bem da verdade, foi uma reorganização na cúpula do Executivo municipal, de modo que as atribuições antes concentradas em uma monolítica unidade - a Secretaria do Governo Municipal (SGM) -, foram apartadas em dois centros de competência - SGM e Casa Civil.
Não se pode atribuir a tal operação jurídica a pecha de inconstitucionalidade, vez que não houve a instituição originária de órgão (leia-se, de competência pública1), mas singela distribuição de funções, deslocando-se atribuições da SGM para uma unidade própria, a Casa Civil.
Ora, é exatamente esta a finalidade prescrita na Constituição Federal, ex vi de seu artigo 84, inciso VI, alínea "a" (nos termos da redação dada pela Emenda Constitucional n.° 32/01)2, ao atribuir à Chefia do Executivo a disposição, por decreto, sobre a organização e o funcionamento da Administração.
Consigne-se a prevalência, em sede doutrinária, da admissibilidade do decreto autônomo de organização, plasmado em referido preceito constitucional em razão da EC n.° 32/01. É o que apontam, entre outros, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito administrativo, 14.ed., 2002, pp. 88-9), André Rodrigues Cyrino (O poder regulamentar autônomo do Presidente da República - a espécie regulamentar criada pela EC n. 32/01, 2005, passim), Dora Maria de Oliveira Ramos ("Os regulamentos jurídicos e os regulamentos de organização: breve estudo de sua aplicação no Direito Brasileiro", In: Direito regulatório: temas polêmicos, 2003, pp. 557-67), Gustavo Binembojm (Uma teoria do Direito Administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização, 2006, pp. 160-73) e José Carlos Francisco (Função regulamentar e regulamentos, 2009, pp. 388-94).
No mesmo sentido a jurisprudência, seja no âmbito do Supremo Tribunal Federal, seja do Tribunal de Justiça paulista, conforme os julgados a seguir colacionados:
"Os artigos 76 e 84, I, II e VI, "a" todos da Constituição Federal, atribuem ao Presidente da República a posição de Chefe supremo da administração pública federal, ao qual estão subordinados os Ministros de Estado. Ausência de ofensa ao princípio da reserva legal, diante da nova redação atribuída ao inciso VI do art. 84 pela Emenda Constitucional n° 32/01, que permite expressamente ao Presidente da República dispor, por decreto, sobre a organização e o funcionamento da administração federal, quando isso não implicar aumento de despesa ou criação de órgãos públicos, exceções que não se aplicam ao Decreto atacado."
(STF - ADI 2.564/DF, Pleno, Min. Eilen Gracie, DJ 06/02/2004)
"Ação Direta de Inconstitucionalidade. Decreto do Governo que reorganiza estrutura e atribuições de Secretarias de Estado. Ausência de criação ou extinção de Secretaria. Mero remanejamento de funções e recurso, sem qualquer dispêndio. Discricionariedade administrativa que não vulnera a ordem fundante."
(TJ-SP - ADI 9043284-61.2007.8.26.0000, Órgão Especial, Relator Renato Nalini, publ. 21/01/2009)
A respeito do conteúdo vertido na expressão "organização e funcionamento da administração", contida no artigo 84, inciso VI, alínea "a", da Constituição Federal, Paulo Modesto aponta duas funções:
a) reordenar ou recompor matéria de relevo preponderantemente interno (estruturação/vinculação), deslocando, desmembrando ou remanejando atribuições previamente estabelecidas de um para outro órgão da mesma pessoa jurídica ou até deslocando o próprio órgão como um todo, modificando os seus vínculos diretos de subordinação (deslocamento horizontal ou vertical) e
b) redistribuir cargos e funções entre órgãos, de forma e aperfeiçoar o emprego da força de trabalho na intimidade da Administração Pública".3
Ora, no caso in comento, verifica-se mero desmembramento de atribuições de um órgão público (SGM), de modo que parcela de suas competências passaram a ser detidas por unidade própria (Casa Civil), sem o estabelecimento originário de múnus público. Demais, procedeu-se a uma transferência de órgãos da Secretaria do Governo Municipal para a Casa Civil (artigo 334), bem assim de alguns cargos de provimento em comissão (artigo 345).
Para além dos argumentos tecidos acima, convém salientar aqueles manifestados no âmbito das informações prestadas pelo Município de São Paulo no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI autos n.° 2117355-07.2017.8.26.0000), no qual foi impugnado o Decreto municipal n.° 57.576, de 1º de janeiro de 2017, que procedeu a uma reorganização mais ampla na estrutura administrativa municipal.
A despeito das diferenças específicas entre o ora analisado Decreto n.° 57.959/17 e o Decreto n.° 57.576/17, os argumentos expostos pelo Município na ADI ajustam-se ao caso presente, porquanto envolvem a mesma razão jurídica atrelada à funcionalidade dos regulamentos autônomos de organização (cf. petição ora juntada e razões nela constantes, cuja reprodução se faz desnecessária).
Consigne-se, por fim, que tal ADI foi expressamente referida na representação apresentada ao Ministério Público, olvidando o Vereador representante (Antonio Donato) que a Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa da Câmara Municipal de São Paulo afastou a desconformidade do Decreto municipal n.° 57.576/17. Com efeito, nos termos do Parecer n.° 1.301/2017, in verbis:
Trata-se de projeto de decreto legislativo, de iniciativa dos nobres Vereadores Alfredinho, Arselino Tatto, Eduardo Matarazzo Suplicy, Antonio Donato, Jair Tatto, Juliana Cardoso e Senival Moura, que visa sustar os efeitos do Decreto n° 57.576, de 1º de janeiro de 2017, expedido pelo Excelentíssimo Senhor Prefeito João Doria.
De acordo com a justificativa do projeto, o decreto exorbitou do poder regulamentar, uma vez que a criação ou extinção de cargos e órgãos da Administração Pública devem ser promovidas por meio de lei, nos termos do art. 61, §1°, inciso II, alínea "e", da Constituição Federal.
Sob o aspecto jurídico, o projeto não reúne condições de prosseguir em tramitação, consoante será demonstrado.
(...)
Logo, as atividades que vinham sendo desempenhadas pelas antigas Secretarias inativadas pelo Decreto continuam a ser desenvolvidas na estrutura da Administração Pública, ainda que vinculadas a Secretarias diversas, o que se encontra dentro do escopo da norma constitucional supramencionada e do espírito da nossa Lei Orgânica, que confere ao Prefeito a competência para exercer a direção da administração municipal, bem como para dispor sobre a sua estrutura, organização e funcionamento (art. 69, inciso II; e art. 70, inciso XIV).
A leitura que deve ser apreendida da Constituição Federal e de nossa Lei Orgânica é no sentido de que o Prefeito, enquanto gestor da Administração Pública, tem discricionariedade para proceder ao remodelamento da sua estrutura, priorizando atividades que, associadas às políticas públicas por ele defendidas enquanto representante popular, merecem maior atenção do ponto de vista institucional e organizacional, sempre tendo como parâmetro a ausência de qualquer aumento ou incremento nas despesas já previstas para o custeio da máquina estatal. Ê o que se verifica tanto no caso supra analisado das Secretarias inativadas como nas demais modificações na estrutura da Administração Pública levadas a efeito pelo Decreto (tais como alteração de denominação e fixação de atribuição de Secretarias, alteração de lotação e de denominação de cargos), as quais não implicam aumento de despesas nem criação e extinção de órgãos públicos, sendo plenamente admissível sua disciplina por ato do Poder Executivo.
A esse respeito, confira-se entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema:
'É indispensável a iniciativa do chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/2001, por meio de decreto) na elaboração
de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação.' (ADI 3.254, rei. min. Eilen Gracie, j. 16-11-2005, P, DJ de 2-12-2005, grifos nossos)
Em suma, conclui-se que o Decreto municipal n.° 57.959, de 1º de novembro de 2017, está revestido de constitucionalidade, nos termos do artigo 84, inciso VI, "a", da Constituição Federal (cf. Emenda Constitucional n.° 32/01), bem como do artigo 47, inciso XIX, "a", da Constituição do Estado de São Paulo (cf. Emenda Constitucional n.° 21/2006).
São Paulo, 5 de janeiro de 2018.
RODRIGO BORDALO RODRIGUES
Procurador Assessor - AJC
OAB/SP 183.508
PGM
.
1 Necessária fazer remissão à clássica definição de órgão público que vem prevalecendo no Brasil: trata-se de "centros de competência instituídos para o desempenho de funções estatais" (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro, 40.ed., 2014, p. 69).
2 Igual prescrição está vertida no artigo 47, inciso XIX, "a", da Constituição do Estado de São Paulo (cf. Emenda Constitucional n.° 21/2006).
3 O mesmo autor aponta para a elaboração do Anteprojeto de Normas Gerais sobre a Administração Pública Direta e Indireta, as Entidades Paraestatais e as de Colaboração, no qual houve a inserção de texto visando à delimitação do conteúdo do decreto autônomo de organização. Nos termos do artigo 6º, a organização e o funcionamento da administração direta serão regulados por decreto, podendo, por exemplo, "desmembrar, concentrar, deslocar ou realocar atribuições de órgãos", bem como "fazer remanejamento e alterar a denominação de órgãos" e "redistribuir cargos, empregos e funções entre órgãos". Faz-se referência a tal anteprojeto - não positivado, frise-se -, haja vista a estatura dos membros da comissão que a elaborou, formada por insignes juristas: Almiro do Couto e Silva, Carlos Ari Sundfeld, Floriano de Azevedo Marques Neto, Maria Coeli Simões Pires, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Paulo Modesto e Sérgio de Andrea Ferreira.
4 "Art. 33 Ficam transferidas, da Secretaria do Governo Municipal para a Casa Civil, as seguintes unidades com seus bens patrimoniais, serviços, contratos, acervo, recursos orçamentários e financeiros, pessoal e cargos de provimento em comissão:
I - a Assessoria Técnica - AT;
II - a Assessoria Técnico-Legislativo - ATL;
III - a Assessoria Especial - AE com sua denominação alterada para Assessoria de Relações Governamentais - ARG;
IV - a Coordenação de Assuntos Legislativos;
V - a Coordenação de Assuntos Federativos e Metropolitanos."
5 "Art. 34 Ficam transferidos para a Casa Civil os cargos de provimento em comissão, na seguinte conformidade:
l-I (um) cargo de Secretário Especial, símbolo SM, de livre provimento em comissão pelo Prefeito, do Gabinete do Prefeito com a denominação alterada para Secretário Municipal, vaga 16374;
II - I (um) cargo de Chefe de Gabinete, símbolo CHG, de livre provimento em comissão pelo Prefeito, da Secretaria do Governo Municipal, vaga 17226;
III - 1 (um) cargo de Secretário Executivo Adjunto, símbolo SAD, de livre provimento em comissão pelo Prefeito, da Secretaria Municipal das Prefeituras Regionais, com a denominação alterada para Secretário Adjunto, vaga 17447;
IV - I (um) cargo de Secretário Executivo, símbolo SM, de livre provimento em comissão pelo Prefeito, do Quadro Específico de Cargos de Provimento em Comissão, vaga 567."
.
.
Ofício 4.533/2017-JUR
TID 17257503
INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
ASSUNTO: Representação. Inconstitucionalidade de decreto municipal.
Cont. da Informação n° 0010/2018-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhora Procuradora Geral Substituta
Encaminho a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral, que acolho integralmente, no sentido de que o Decreto municipal n.° 57.959, de 1º de novembro de 2017, está revestido de constitucionalidade.
São Paulo, 16/01/2018.
TIAGO ROSSI
COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO
OAB/SP 195.910
PGM
.
.
Ofício 4.533/2017-JUR
TID 17257503
INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
ASSUNTO: Representação. Inconstitucionalidade de decreto municipal.
Cont. da Informação n° 0010/2018-PGM.AJC
SECRETARIA DO GOVERNO MUNICIPAL
Senhora Chefe da Assessoria Técnica
Encaminho o presente com a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho integralmente, no sentido de que o Decreto municipal n.° 57.959, de 1º de novembro de 2017, está revestido de constitucionalidade.
São Paulo, 16/01/2018.
LUCIANA SANT´ANA NARDI
PROCURADORA GERAL SUBSTITUTA
OAB/SP 173.307
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo