Memorando n° 55/2009 - PGM.G
INTERESSADO: Procuradoria Geral do Município
ASSUNTO: Alienação de remanescentes de desapropriação
Informação n° 557/2009 - PGM-AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA
Senhora Procuradora Assessora Chefe
Como se sabe, para a execução de obras públicas, a Municipalidade promove as desapropriações necessárias.
Freqüentemente, porém, os remanescentes inaproveitáveis dos imóveis, que não interessam à PMSP, são incorporados à desapropriação por decisão judicial. Outras vezes, em razão da alteração dos projetos, as próprias áreas necessárias tornam-se dispensáveis. Quando isso acontece, remanescem áreas sem aproveitamento, que ficam sujeitas a invasões, onerando ainda os cofres públicos em razão da necessidade de sua conservação.
A solução adotada nesses casos tem sido, observadas as formalidades legais, a alienação dos remanescentes, com a consequente recomposição urbanística da área atingida.
Ocorre que o imóvel desapropriado é transferido ao domínio público somente após o integral pagamento da indenização. Tal circunstância contudo não impede a sua alienação, conforme se verá a seguir.
Com efeito, apesar de respeitáveis opiniões em sentido contrário, a doutrina admite a compra e venda de coisa alheia.1 A propósito, a seguinte lição de Washington de Barros Monteiro:
"Acerca dessa questão existe controvérsia em nosso direito; Clóvis entende ser nula a venda de coisa alheia; Espínola admite sua validade; Carvalho Santos, por seu turno, assume posição intermediária: a venda de coisa alheia é nula, mas se tornará válida, quando o vendedor se obrigar a entregar a coisa vendida, depois de adquiri-la do verdadeiro proprietário.
A melhor doutrina, todavia, é a que sustenta a admissibilidade do ato, cuja eficácia dependerá, naturalmente, de sua ulterior revalidação pela superveniência do domínio".2
Orlando Gomes, por sua vez, observa:
"Parece absurda a venda de coisa alheia, pois, intuitivamente, a coisa vendida deve pertencer ao vendedor. Uma vez, porém, que, pelo contrato, o vendedor se obriga, tão só, a transferir a propriedade da coisa, nada obsta que efetue a venda de bem que ainda lhe não pertence; se consegue adquiri-lo para fazer a entrega prometida, cumprirá especificamente a obrigação; caso contrário, a venda resolve-se em perdas e danos. A venda de coisa alheia não é nula, nem anulável, mas simplesmente ineficaz. Se um condomínio vende a coisa comum é, entretanto, anulável."3
Mesmo Caio Mário da Silva Pereira, embora negando a possibilidade da venda de coisa alheia, admite a sua convalidação. A propósito:
"Mas não nos parece igualmente se possa admitir que é possível a venda de coisa alheia, como se proclama no direito alemão e se concedia no Direito romano. Os autores que o fazem em nosso direito incidem num desvio de perspectiva, confundindo a possibilidade do convalescimento com a validade do contrato. Este é originariamente ineficaz, porque parte da transmissão a outrem de um direito que o alienante não tem. Mas, se ocorre um fato jurídico diverso da compra a non domino, a venda convalesce ou revalida-se, passando de defeituosa e atacável a frutuosa e boa. Mas é preciso, para tal, que o fato novo tenha lugar (aquisição pelo alienante, ou usucapião)."4
Cabe enfatizar, porém, que no nosso sistema, ao contrário do que ocorre no sistema francês, o contrato de compra e venda não transfere a propriedade. Apenas cria a obrigação de transferir a propriedade mediante o pagamento do preço ajustado.5
Nesse sentido, a lição de Pontes de Miranda:
"Uma vez que o contrato de compra e venda é consensual e por êle só se promete a transmissão da propriedade e da posse, ou só da posse, nada obsta a que seja objeto de tal contrato o bem alheio, isto é, o bem de propriedade, ou de posse, ou de propriedade e de posse alheias. Não há qualquer invalidade, nem ineficácia. Se o vendedor vem a prestar, por ter adquirido o bem, ou por ter encarregado o dono de prestar a propriedade e a posse, ou só a propriedade, ou só a posse, cumpriu o que prometeu. Se falha, inadimpliu, e há as conseqüências do inadimplemento. Se prestou propriedade, ou posse, em vez prestar propriedade e posse, houve adimplemento ruim." (grifei)
Mais:
"A compra-e-venda do bem alheio é eficaz apenas entre o vendedor e o comprador. Não se pode dizer, a priori, que não tenha efeitos quanto ao terceiro, porque isso depende de outro negócio jurídico, ou situação de direito, entre o vendedor e o terceiro. O terceiro pode propor contra o vendedor as ações que lhe tocam, e talvez não tenha ações, nem pretensões, nem direitos, a despeito de ter sido o dono. Em princípio, pode reivindicar, ou vindicar a posse, ou exercer alguma ação possessória ou obrigacional. A usucapião pode operar-se a favor do adquirente de boa fé, ou, mesmo, de má fé."6
Ressalta Pontes de Miranda, ademais, que a compra e venda de bem alheio pode ser feita com alusão ao direito que tem o vendedor de haver de outrem o bem. A propósito:
"Em princípio, quem vende bem alheio só se vincula a prestar logo que o adquira. Todavia, pode o contrato estabelecer, explícita ou implicitamente, quando se haja de prestar. Se o vendedor aludiu ao fato de não ser proprietário, ou possuidor, do bem, há de entender-se que tem de prestar quando adquira, se não se disse que teria de ser imediatamente, ou dentro de prazo, ou a certo dia."7
Admite-se, inclusive, a compra e venda sob condição suspensiva, como, por exemplo, no caso de venda de determinado bem se terceiro não optar por sua aquisição, ou se o vendedor for vencedor em ação reivindicatória.8
O contrato de compra e venda sob condição suspensiva, no entanto, não se confunde com o pré-contrato de compra e venda. Nesse sentido:
"O pré-contrato de compra-e-venda é inconfundível com o próprio contrato de compra-e-venda sob condição suspensiva, porque êsse, ao ter eficácia plena, apenas completa a eficácia de compra-e-venda, que é a sua, desde a conclusão. Na compra e venda sob condição suspensiva de modo nenhum se cogita de dívida de contratar. Já se contratou, não só se pré-contratou. Ainda não se quis, no pré-contrato, o contrato de compra-e-venda; somente se prometeu fazer, concluir o contrato de compra-e-venda." 9
Por fim, vale lembrar que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em recente julgado, de fevereiro de 2007, considerou viável a compra e venda de coisa alheia.10 O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, ao julgar prejudicado recurso em mandado de segurança em que se buscava a anulação de concorrência para a alienação de imóvel pelo estado de Mato Grosso, sob o fundamento de que o bem ainda não havia sido incorporado ao patrimônio público, por deter a impetrante a propriedade, entendeu que "ainda que se tenha por irregular a realização de concorrência pública de imóvel não registrado em nome do Estado, o procedimento licitatório não oferece, em si, nenhum dano a eventual direito líquido e certo da impetrante", já que, por não deter o Estado "a propriedade formal do imóvel, não poderá ele aliená-lo para o vencedor da concorrência, daí a ausência de prejuízo para a impetrante que já não detém a posse do imóvel desde 1993."11
Diante de todo o exposto, e tendo em vista a lição de Hely Lopes Meirelles, no sentido de que, cumpridas as exigências administrativas, a alienação de imóvel público a particular formaliza-se pelos instrumentos e com os requisitos da legislação civil, e, desde que assinado o instrumento pelas partes, a Administração não poderá mais modificar ou invalidar a alienação por ato unilateral, o que somente poderá ser feito por acordo ou via judicial 12, entendo que, existindo imissão na posse e desde que o melhoramento público já tenha sido efetivamente implantado, a Municipalidade poderá, observadas as exigências da Lei Orgânica do Município, celebrar escrituras de compra e venda para a alienação de remanescentes de desapropriação ainda não adjudicados, em razão da inevitabilidade da incorporação de tais bens ao patrimônio público após o pagamento da indenização devida. Naturalmente, todas essa circunstâncias deverão constar das escrituras.
No entanto, sempre que não tiver ocorrido expressa desistência do direito de preferência, o bem deverá ser previamente oferecido ao expropriado, para que seja afastado o risco de retrocessão ou de qualquer outro questionamento, como ocorreu no exemplo citado do Mato Grosso, hipótese em que o DESAP, se for o caso, poderá examinar a viabilidade da desistência parcial da ação.
Assim, a viabilidade da alienação deverá ser analisada caso a caso, após a manifestação do DESAP a respeito do andamento do feito expropriatório.
Seja como for, elaborei a anexa minuta de escritura, nos moldes usuais, com os acréscimos pertinentes, em razão de tudo o que foi exposto, lembrando, porém, que cada situação poderá exigir cláusulas específicas.
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São Paulo, 26/03/2009.
RICARDO GAUCHE DE MATOS
PROCURADOR ASSESSOR - AJC
OAB/SP 89.438
PGM
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De acordo.
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São Paulo, 26/03/2009.
LÉA REGINA CAFFARO TERRA
PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC
OAB/SP 53.274
PGM
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1 Enquanto não registrada a carta de adjudicação, o expropriado continua titular do domínio.
2 Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações, 2ªParte. 28° edição. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 79
3 Contratos. 12° edição. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 252
4 Instituições de Direito Civil. 11° edição. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 181
5 O compromisso de compra e venda, por sua vez, gera a obrigação de celebrar o contrato de compra e venda.
6 Tratado de Direito Privado - Direito das Obrigações. 2ª edição. Rio de Janeiro Borsoi, 1962, Tomo XXXIX. p. 26.
7 Ob.. cit. p. 28.
8 Pontes de Miranda, ob. cit., p. 28.
9 Pontes de Miranda, ob. cit., p. 52.
10 Apelação Civil com Revisão n° 252.120-4/6-00.
11 Recurso em Mandado de Segurança n° 22.019 - MT.
12 Direito Municipal Brasileiro. 7ª edição. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 243.
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Memorando n° 55/2009 - PGM.G
INTERESSADO: Procuradoria Geral do Município
ASSUNTO: Alienação de remanescentes de desapropriação
Cont. da Informação nº 557/2009 - PGM.AJC
SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
Senhor Secretário
Encaminho o presente a Vossa Excelência, com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acompanho, no sentido da viabilidade, nas condições especificadas, da alienação de remanescentes de desapropriação ainda não adjudicados à Municipalidade.
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São Paulo, 31/03/2009.
CELSO AUGUSTO COCCARO FILHO
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 98.071
PGM
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Memorando n° 55/2009 - TID 4089928
INTERESSADO: MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
ASSUNTO: Alienação de remanescentes de desapropriação.
Informacão nº 1077/2009-SNJ.G
DEPARTAMENTO PATRIMONIAL
Senhor Diretor
Encaminho o presente com o bem elaborado estudo desenvolvido no âmbito da Assessoria Jurídico Consultiva da PGM., que ACOLHO. DETERMINO, em conseqüência, que o Departamento Patrimonial adote providências imediatas para a implementação das conclusões alcançadas no referido parecer.
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São Paulo, 09/04/2009
CLAUDIO LEMBO
Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos
SNJ.G.
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo