CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

Acessibilidade

Razões do Veto (LEI Nº 17.324 de 18 de Março de 2020)

RAZÕES DE VETO

Projeto de Lei nº 502/19

Ofício ATL nº 023, de 18 de março de 2020

Ref.: Ofício SGP-23 nº 110/2020

Senhor Presidente

Por meio do ofício referenciado, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia do Projeto de Lei nº 502/19, de autoria dos Vereadores Janaína Lima e Eduardo Tuma, aprovado na sessão de 12 de fevereiro de 2020, que institui a Política de Desjudicialização no âmbito da Administração Pública Municipal Direta e Indireta e disciplina a celebração de acordos, bem como a transação tributária para débitos inscritos ou não na dívida ativa.

Consoante o disposto no parágrafo único do artigo 1º da Carta de Lei em comento, a legislação pátria vigente estabelece diretrizes e regras a serem observadas pelo Poder Executivo quanto à realização de acordos ou transações para prevenir ou terminar litígios, inclusive os judiciais, circunstância que, por si só, demonstra o amparo existente à consecução da finalidade almejada pela propositura, nos termos das leis federais aludidas.

Assim, acolhendo a propositura, dada a inquestionável importância da consolidação de medidas que objetivem reduzir a judicialização e o número de ações envolvendo a Administração Pública Municipal Direta e Indireta, introduzindo no âmbito municipal o instituto da transação tributária, prevista no artigo 171 do Código Tributário Nacional, vejo-me, entretanto, na contingência de apor-lhe veto parcial, com fundamento no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, atingindo alguns dispositivos que parecem vir de encontro ao espírito da norma proposta, na conformidade das razões a seguir explicitadas.

Artigo 2º: veto ao dispositivo do parágrafo único.

O dispositivo do parágrafo único do artigo 2º determina que sejam definidas por decreto a organização e o funcionamento de unidades específicas subordinadas à Procuradoria Geral do Município, como coordenadora da Política de Desjudicialização, o que adentra matéria de cunho eminentemente administrativo e, por essa razão, está compreendida nas funções privativas do Poder Executivo.

Por esta razão, impõe-se o veto ao dispositivo por criar obrigação administrativa em sentido estrito, além de provável aumento de despesas, em decorrência da criação de órgãos.

Artigo 3º: veto ao dispositivo do § 5º.

O dispositivo impõe a presença de advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, para assistir o devedor em todo e qualquer acordo para solução consensual de controvérsias.

Condicionar quaisquer procedimentos que envolvam métodos de solução consensual de conflitos à presença de advogado é incompatível com a legislação em vigor. A Lei da Mediação (Lei Federal nº 13.140, de 26 de junho de 2015), em seu artigo 10 determina que, na mediação extrajudicial, as partes poderão ser assistidas por advogado ou defensor público.

Ademais, o artigo 133 da Constituição Federal não pressupõe que a presença do advogado seja indispensável em qualquer expediente de solução de conflitos que é levado ao Poder Judiciário. Tanto é assim que existem exceções legais que dispensam a presença de advogado, como na Justiça do Trabalho (art. 791, CLT), no Juizado Especial Cível – JEC até 20 salários mínimos (art. 9º, Lei Federal nº 9.099, de 1995) e no Juizado Especial Federal (art. 10, Lei Federal nº 10.529, de 2001). Nestes casos, a presença do advogado não é impositiva.

De outra parte, este parágrafo está em desacordo com a Lei de Arbitragem (Lei Federal nº 9.307, de 23 de setembro de 1996), que dispõe em seu artigo 21, § 3º, que a participação do advogado na arbitragem é uma faculdade da parte interessada, não uma obrigação.

Frise-se, outrossim, que o dispositivo prevê expressamente somente a presença de “advogado regularmente inscrito na OAB – Ordem dos Advogados do Brasil”, o que exclui os defensores públicos que, atualmente, estão desobrigados dessa vinculação com a OAB (a questão está sub judice no Supremo Tribunal Federal em recurso extraordinário com repercussão geral – RE 1.240.999).

Assim, considerando que o objetivo do projeto de lei é instituir a Política de Desjudicialização, que tem como finalidade reduzir a litigiosidade e fomentar a solução consensual dos conflitos, exigir a presença de advogados é impor às partes um ônus que contraria a lógica do uso de métodos consensuais de solução de conflitos.

É louvável a iniciativa do legislador municipal no sentido de permitir a cobrança mais eficaz dos créditos tributários e reduzir o número de ações envolvendo o Município. A proposta está em consonância com a necessidade de alterações na cultura do litígio e da judicialização de conflitos e na valorização das formas consensuais de solução de conflitos que permitem a redução de custos, celeridade para por fim ao conflito e valorização das partes. Porém, exigir a presença de advogado para celebração de todo e qualquer acordo não condiz com este entendimento.

Na realidade, tal previsão poderá causar o efeito contrário e indesejado de evitar a solução consensual de conflitos, já que os particulares que não tiverem condições de contratar advogados não poderão resolver seus problemas com a Municipalidade, como, por exemplo, parcelar tributos em aberto.

Artigo 4º: veto aos dispositivos dos §§ 3º ao §5º.

Analisando a redação do “caput” do artigo 4º do PL em comento, entendemos tratar-se de autorização legislativa para celebração de acordos específicos que atendam os requisitos instituídos.

Para os demais casos não especificados na lei, ou seja, sem desconto do valor principal e para débitos com valores superiores a R$ 510 mil reais, ficam mantidas as regras em vigor, notadamente os parcelamentos que rotineiramente são celebrados pelo Departamento Fiscal e pela Secretaria Municipal da Fazenda, pois tais débitos não possuem os benefícios que o PL em questão está instituindo.

A redação conferida aos parágrafos § 3º, § 4º e § 5º do artigo 4º prevê a vedação de acordo com pagamento à vista, bem como para demandas com valores inferiores a R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais).

Citada previsão acaba por ferir a ideia da proposta em questão que visa a desjudicialização. Boa parte dos débitos não inscritos em Dívida Ativa do Município refere-se a valores inferiores a R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais).

Desta forma, é salutar que referidas dívidas possam ser objeto desse instrumento de solução de conflitos.

Ademais, sendo o número mínimo de 5 (cinco) parcelas e o valor mínimo de cada parcela de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), débitos de valor inferior a R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais) não poderiam ser parcelados.

Além disso, constou no dispositivo que as parcelas serão atualizadas anualmente, quando na verdade deveria constar que as atualizações são mensais, já que esta prática é mais condizente com períodos de maior oscilação da inflação.

Artigo 8º: veto ao inciso I do §3º;

Veto integral ao artigo 10;

Veto integral ao artigo 16 e seus §§;

Veto ao artigos 18 e 21.

Os dispositivos acima enumerados merecem ser vetados pela mesma razão: autorizam a transação de débitos não inscritos na Dívida Ativa, para os quais não há litígio constituído em face da dívida.

A certeza sobre o crédito tributário ocorre com a sua inscrição em dívida ativa, portanto, um acordo ou transação sobre débito não inscrito acarretaria insegurança jurídica.

Veto integral ao artigo 12

Este artigo delimita a abrangência da transação.

O inciso I do “caput” deve ser vetado porque estabelece que os critérios da concessão de descontos deverão ser especificados por portaria emtida conjuntamente pela PGM e pela Subsecretaria da Receita Municipal, sendo que, por força da Lei Orgânica do Município, apenas a PGM tem competência em relação aos débitos inscritos na dívida ativa.

Com o veto do inciso I do “caput”, os incisos II e III e o §1º perdem sua utilidade e necessidade.

Os §§2º e 3º, por sua vez, devem ser vetados por limitarem demasiadamente a atratividade da transação tributária, tornando praticamente inútil o instrumento previsto neste projeto de lei.

Artigo 13: veto ao § 5º.

O dispositivo do § 5º contém uma remissão equivocada a inciso do artigo 151 do Código Tributário Nacional, que versa sobre parcelamento do crédito tributário (inciso IV, no lugar do inciso VI).

Mencionado dispositivo é dispensável, já que o Código Tributário Nacional tem aplicação automática no Município, sem necessidade de ser reproduzido em lei local.

Artigo 14: veto ao inciso III e ao § 1º.

A decretação de falência ou extinção previstas no inciso III não deveriam ser obrigatoriamente caso de rescisão da transação, dado que a transação ainda pode ser benéfica para o interesse público. Ademais, boa parte da dívida irrecuperável do Município de São Paulo refere-se a empresas que estão em processo de falência ou insolvência.

Persistindo tal dispositivo, estaria inviabilizada a transação para tais casos.

A análise quanto à rescisão ou não da transação em citados casos será feita em concreto, pautando-se sempre pelo atendimento ao interesse publico envolvido.

O dispositivo do § 1º determina que o procedimento para rescisão da transação deverá seguir a Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Citada lei é de aplicação exclusiva à Administração Direta e indireta Federal. O Município de São Paulo possui suas próprias normas sobre o processo administrativo, tais como a Lei nº 14.141, de 2006, e o Decreto nº 51.714, de 2010. Portanto, tal previsão fere o principio federativo previsto no artigo 1º da Constituição de 1988.

Veto ao Artigo 17.

Além de novamente ter sido citada a Lei Federal nº 9784, de 1999, que não tem aplicação no Município de São Paulo, o dispositivo é integralmente dedicado ao procedimento interno para a celebração da transação.

Tal procedimento poderá ser objeto de decreto administrativo, uma vez que, os parâmetros gerais para celebração da transação já estão fixados nos demais dispositivos da carta de lei em análise.

Artigo 19: veto ao inciso I do § 1º.

O dispositivo citado no inciso I em questão não existe no texto apresentado, além disso, os limites para a transação já estão esculpidos na Seção III, notadamente no artigo 12.

Veto ao artigo 20.

O artigo 20 condiciona, como fase preliminar a uma transação, a instauração de litígio, pois, somente poderá participar da transação por adesão o contribuinte que tenha pendente uma ação judicial, embargos à execução fiscal ou um recurso administrativo.

Seria um contrassenso ao espírito da política de desjudicialização exigir a instauração de um processo administrativo ou judicial prévio.

Veto ao artigo 22.

O inciso I desta norma veda a celebração de nova transação relativa à mesma controvérsia jurídica.

No entanto, nada impede que vários objetos estejam submetidos à mesma controvérsia jurídica. Portanto, o contribuinte pode transacionar havendo mais de um objeto desde que com a mesma controvérsia jurídica.

Manter o dispositivo acabaria vedando novas transações abrangidas pela mesma controvérsia, violando o principio da isonomia consagrado pelo artigo 5º da Constituição de 1988.

Considerando que a transação é um instituto facultativo para o contribuinte, cabendo a ele sopesar seu interesse em participar ou não, seria inadequado restringir sua aplicação conforme o disposto no citado artigo 22.

Além disso, o inciso II, alínea “b” traz um sentido exatamente oposto do previsto na Medida Provisória que serviu de inspiração ao texto (Medida Provisória 899, de 2019), já que é justamente nesses casos que deve ser buscada a solução consensual por transação.

Por estas razões, impõe-se o veto integral a este artigo.

Artigo 24: veto ao §2º

A norma do “caput” autoriza a criação, por decreto, da Câmara de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos, vinculada à PGM.

O dispositivo do § 2º, porém, ao dispor que a submissão de conflito à Câmara é facultativa, contraria o interesse público, considerando que a aproximação, mediante mediação e arbitramento dos conflitos, é providência que deve ser necessariamente empreendida no caso dos conflitos envolvendo entes da Administração Direta e Indireta, sob pena de eventuais litígios denotarem a quebra da condução harmoniosa dos interesses comuns da Administração.

Veto ao §2º do Artigo 26

O dispositivo não indica a mens legis para excluir Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista da possibilidade de participarem do instituto da transação por adesão, uma vez que essas entidades fazem parte da Administração Indireta do Município de São Paulo.

O seu veto, por outro lado, não proibiria a adesão da Administração Municipal Direta, Autárquica e Fundacional ao regime.

Nessas condições, evidenciadas as razões que me conduzem a vetar os dispositivos apontados no texto aprovado, devolvo o assunto ao reexame dessa Colenda Casa de Leis.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.

BRUNO COVAS, Prefeito

Ao Excelentíssimo Senhor

EDUARDO TUMA

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo