CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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Razões do Veto (LEI Nº 16.056 de 8 de Agosto de 2014)

RAZÕES DE VETO

Projeto de Lei nº 209/11

Ofício ATL nº 127, de 8 de agosto de 2014

Ref.: OF-SGP23 nº 1828/2014

Senhor Presidente

Por meio do ofício acima referenciado, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia do Projeto de Lei nº 209/11, de autoria do Vereador José Police Neto, aprovado na sessão de 30 de junho do corrente ano, que objetiva instituir Diretrizes Básicas para a Readequação e o Reaproveitamento de Edificações Verticais de Interesse Social no Município de São Paulo, bem como, nos seus artigos 13 a 15, conceder incentivos urbanísticos à implantação de Empreendimento Habitacional de Interesse Social – EHIS nas áreas que especifica, inclusive prevendo a revogação dos melhoramentos viários e das definições das áreas verdes e institucionais atualmente incidentes ou previstos para o local destinado à sua implantação.

No entanto, embora reconhecendo o nobre intento da iniciativa de dotar o Município de um conjunto de normas e instrumentos legais voltados à implementação da função social da propriedade no espaço urbano da cidade, alcançando as edificações verticais subutilizadas ou não utilizadas, vejo-me na contingência de vetá-la parcialmente, atingindo, em seu inteiro teor, os artigos 3º a 11, os §§ 4º e 5º do artigo 13 e o artigo 16, na conformidade das razões de ordem constitucional e legal a seguir aduzidas.

O principal óbice à sanção dos artigos 3º a 8º da propositura decorre do fato de, na situação que ora se apresenta, o enquadramento tendente à observância da função social da propriedade e a disciplina do interesse social envolvido no aproveitamento de imóveis urbanos referirem-se aos “condomínios edilícios” e não diretamente às “unidades imobiliárias autônomas” que os integram.

Com efeito, de acordo com a normatização vigente em âmbito nacional, consubstanciada na Lei Federal nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, mormente no seu artigo 1º, as edificações ou conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não residenciais, poderão ser alienados, no todo ou em parte, objetivamente considerados, e constituirá, cada unidade, propriedade autônoma sujeita às limitações impostas por aquele diploma legal.

Essa circunstância, por evidente, deve ser observada no regramento voltado à aferição e exigência do cumprimento da função social da propriedade, não se afigurando juridicamente possível ter-se por subutilizado ou não utilizado um condomínio edilício, consoante previsto no texto aprovado, vez que essa qualificação deve ser inferida diretamente em relação a cada unidade imobiliária em si considerada. Tampouco é concebível estabelecer uma gradação segundo o percentual de unidades ocupadas no condomínio, reputando-o subutilizado ou não utilizado, porquanto, repita-se, cada unidade autônoma é que deve ser levada em conta para tal finalidade, não o conjunto dessas unidades, via de regra pertencentes a diferentes proprietários.

Em outras palavras, conquanto a solução aventada no projeto de lei possa se apresentar mais conveniente do ponto de vista prático, não se justifica impor ao condomínio ou a outros proprietários das unidades que o compõem os ônus pertinentes ao cumprimento da função social da propriedade por parte de uma ou de várias unidades imobiliárias autônomas. Se um edifício tem uma unidade devidamente ocupada e utilizada, não pode ela ser obrigada a custear, por meio do condomínio, um projeto de readequação que seria necessário por força das condições das demais unidades. Da mesma forma, o proprietário de uma unidade retida de modo especulativo em um condomínio edilício que apresente um nível alto de ocupação não deve ser considerado um bom cumpridor dos deveres atinentes à função social da propriedade apenas por, quanto a esse aspecto, estar em boa companhia.

Ainda nessa mesma linha de raciocínio, não se revela aceitável compelir o condomínio a fiscalizar as unidades autônomas quanto ao cumprimento da função social da propriedade, bem como a apresentar e executar projetos de adequação do edifício, posto que o regime de condomínio tem por finalidade apenas administrar as coisas comuns, não gerando deveres no tocante a cada unidade imobiliária, salvo no que atina à sua relação com o conjunto das unidades, pouco importando se o índice de ocupação do edifício seja igual ou inferior a 40% (quarenta por cento). A seu turno, a atribuição do síndico é representar o condomínio e defender os interesses comuns, não lhe cabendo exercer uma espécie de poder de fiscalização, de maneira a controlar o exercício do direito de propriedade no que respeita a cada unidade autônoma.

Por outro lado, ainda que a desapropriação prevista alcance somente as unidades subutilizadas ou não utilizadas, nem por isso a mensagem aprovada ganha em juridicidade, vez que seriam preservadas, vale dizer, não seriam desapropriadas, unidades subutilizadas ou não utilizadas localizadas em edificações verticais que, globalmente, possam estar ocupadas. Dessarte, o que definiria de fato as unidades passíveis de expropriação não seria o descumprimento da função social da propriedade em si, mas sim um incidente que a ele se somaria, não imputável ao proprietário, o comportamento de seus vizinhos. Como se pode inferir, o descumprimento desse dever seria coibido com base em um elemento determinante, correspondente a uma circunstância alheia à conduta do proprietário, configurando diferenciação inaceitável no campo do direito.

Para além disso, mas não menos importante, impende asseverar que a forma de se dar cumprimento às diretrizes instituídas insere-se no âmbito da competência do Executivo, que definirá, a seu juízo, os meios e procedimentos adequados a essa finalidade, motivo pelo qual descabe a sua regulação pelo Legislativo, consoante previsto nas aludidas disposições.

Mas não é só. O texto incorre igualmente em vício de natureza jurídica ao prever a desapropriação por interesse social com pagamento mediante títulos da dívida pública. Isso porque tal mecanismo, preconizado no artigo 8º do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001), exige expressamente a cobrança, por cinco anos, do IPTU progressivo no tempo, até mesmo como forma de dar efetividade ao preceito constitucional que disciplina essa modalidade expropriatória (Constituição Federal, artigo 182, § 4º). Na verdade, a figura adotada na propositura não é, a rigor, a da desapropriação-sanção estabelecida pelo Estatuto da Cidade, mas sim a desapropriação por interesse social de que trata a Lei Federal nº 4.132, de 10 de setembro de 1962, que prevê a justa indenização nos moldes da desapropriação por utilidade pública (artigo 32 do Decreto-Lei Federal nº 3.365, de 21 de junho de 1941), ou seja, em dinheiro, nos termos da Carta Magna Brasileira (artigo 181, § 3º), a qual não poderia ser afastada por lei municipal, pois apenas a Constituição Federal (artigo 5º, inciso XXIV) pode excepcionar o pagamento em espécie. Em face disso, ao afastar o pagamento da indenização em dinheiro e não seguir o procedimento fixado no Estatuto da Cidade para a desapropriação-sanção, os indigitados artigos 9º, 10 e 11 incidem em inconstitucionalidade e ilegalidade, não podendo, por esse motivo, ser incorporados ao ordenamento legal do Município.

Torna-se imperioso igualmente apor veto aos §§ 4º e 5º do artigo 13, que vincula a implantação de Empreendimento de Habitação de Interesse Social – EHIS ao atendimento da demanda cadastrada pela Secretaria Municipal de Habitação, preferencialmente dos distritos que enumera, tendo em vista que o suprimento dessa demanda por habitações de interesse social, no âmbito da política habitacional de qualquer das esferas de governo, possui regramento próprio que leva em consideração os vários aspectos relacionados às necessidades e vulnerabilidades sociais, descabendo, pois, a previsão em lei de atendimento de determinada e específica demanda.

Por derradeiro, no que toca especificamente ao artigo 16, relativo à regulamentação da nova lei no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, impõe-se o seu veto em virtude de se afigurar temerária a prévia estipulação de período de tempo para o detalhamento de sua fiel execução, visto ainda não se saber a exata dimensão de todas as providências e procedimentos necessários para a efetiva e célere implementação das diretrizes básicas ora instituídas, notadamente neste momento inicial de vigência das regras constantes do novo Plano Diretor Estratégico da Cidade de São Paulo – Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014, em razão do que inclusive deverá ocorrer a revisão da Lei nº 13.885, de 25 de agosto de 2004, que, dentre outras medidas, institui os Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras e dispõe sobre o parcelamento, uso e ocupação do solo.

Nessas condições, evidenciadas as razões que me conduzem a vetar os sobreditos dispositivos, o que faço com fundamento no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município, devolvo o assunto ao reexame dessa Colenda Casa de Leis.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração.

FERNANDO HADDAD, Prefeito

Ao Excelentíssimo Senhor

JOSÉ AMÉRICO DIAS

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo