CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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Razões do Veto (LEI Nº 14.643 de 18 de Dezembro de 2007)

RAZÕES DE VETO

Projeto de Lei nº 767/05

Ofício ATL nº 093, de 26 de junho de 2006

Ref. Ofício SGP 23 nº 1628/2006

Senhor Presidente

Reporto-me ao ofício em epígrafe, por meio do qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 767/05, aprovado por essa Egrégia Câmara em sessão de 24 de maio de 2006.

De autoria do Vereador Aurélio Nomura, o projeto dispõe sobre a criação do Pró-Óleo - Programa de armazenamento, coleta e reciclagem de óleos de pós-uso alimentar, para transformação em biodiesel a ser utilizado nos veículos da frota e concessionários de transporte da Cidade de São Paulo. Determina à Administração Municipal, para tanto, a criação de postos de entrega e coleta de material, bem como a realização de campanha institucional de esclarecimento ao consumidor e educativa nas escolas da rede pública municipal e na mídia em geral, além de promover a integração entre a iniciativa privada, a comunidade científica e demais órgãos públicos a fim de atender ao projeto no âmbito nacional e internacional.

Não obstante seu meritório propósito, a medida, por razões de ordem técnica e legal, não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, por inconstitucionalidade e ilegalidade, nos termos das considerações a seguir aduzidas.

Desde logo, não há como negar que o texto vindo à sanção trata de assunto que se insere nas competências reservadas da União, por força de mandamento constitucional, excedendo o campo das atribuições do Município.

Com efeito, embora veicule questão também relativa ao meio ambiente, seara em que o Município está autorizado a legislar em caráter suplementar, nos termos dos artigos 24, § 2º, e 30, inciso II, ambos da Constituição Federal, a propositura, na verdade, dispõe sobre matéria energética, haja vista que a coleta e a reciclagem de óleos de pós-uso alimentar têm por objetivo sua transformação em biodiesel e respectiva utilização nos veículos da frota municipal e por concessionários de serviços de transportes.

Dispõe, portanto, sobre manipulação de produtos para uso de fonte energética, matéria cuja competência normativa cabe, nos termos do inciso IV do artigo 22 da Constituição Federal, privativamente à União, a qual, a propósito, fez editar a Lei Federal nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005, que dispõe sobre a introdução do biodiesel na matriz energética brasileira e altera a Lei Federal nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, disciplinadora da política energética nacional.

Referidos diplomas legais contemplam regramento específico para a produção, importação, exportação, armazenamento, estocagem, distribuição, revenda e comercialização de biodiesel, bem como para a implementação da política nacional de petróleo, gás natural e biocombustíveis, conjuntamente com a Lei Federal nº 11.116, de 18 de maio de 2005, que regula as atividades de importação ou produção de biodiesel.

Resta patente, pois, que a mensagem aprovada invade a órbita de competências exclusivas da União, legislando sobre questão que, contrariamente ao entendimento constante do parecer conjunto das Comissões dessa Egrégia Câmara Municipal, publicado no Diário Oficial da Cidade de 28 de abril de 2006, não se limita ao interesse local, posto que o tema - transformação de produtos em biodiesel - transcende o âmbito do Município, sendo objeto da mencionada legislação federal.

Por outro lado, a medida instituída pelo texto vindo à sanção revela-se de todo prematura, já que o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), sob a responsabilidade do Governo Federal, encontra-se ainda em fase de implementação, de forma sustentável, tanto técnica quanto economicamente, não tendo atingido, até o presente, o aperfeiçoamento necessário para suprir as necessidades do mercado, em escala comercial, sem desmerecer o considerável conhecimento tecnológico já obtido.

No âmbito do programa supracitado, constituiu-se a Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel, a cargo do Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT, com a finalidade de consolidar um sistema gerencial de articulação dos diversos setores envolvidos na pesquisa, desenvolvimento e produção do biodiesel, buscando a convergência de esforços e a otimização de investimentos públicos.

As ações do Governo Federal consistem, em síntese, na realização de testes e ensaios com motores, no desenvolvimento de tecnologia para produção do biodiesel em laboratório e em escalas adequadas às produções locais de óleo, na caracterização e controle da qualidade do combustível, na estruturação de laboratórios e na formação de recursos humanos, relevantes para o atendimento às demandas do mercado, no tocante ao suporte técnico da produção e à formação de mão-de-obra especializada.

Acresça-se, a propósito, não incumbirem ao Município as providências estampadas no artigo 6º da propositura, relacionadas à integração entre a iniciativa privada, a comunidade científica e outros órgãos públicos, visando atender ao projeto no âmbito nacional e internacional, as quais se inserem nas competências específicas da União, por intermédio da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, órgão regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis.

Dessa forma, estando o programa nacional em fase de preliminar ajustamento, a implantação da medida na esfera municipal resta não apenas precipitada como também inviável, por inexistirem condições mínimas para sua aplicação, valendo observar, ademais, que as providências básicas em que se assenta o programa proposto, relativas à criação, mediante determinação da Prefeitura, de postos de entrega e coleta de óleos de pós-uso alimentar, bem como à realização de campanhas institucional e educativa, não bastam, de qualquer modo, para sua efetiva instituição.

A par disso, a propositura dispõe sobre assunto vinculado à organização administrativa, posto que impõe novas atribuições e conseqüentes encargos à Administração Pública Municipal, interferindo nas atividades e funções de seus órgãos, além de acarretar significativo dispêndio de verbas para a execução das diversas ações e providências nela previstas, envolvendo, pois, questão também de natureza orçamentária.

Nesse sentido, o projeto incorre em vício de iniciativa, por disciplinar matéria cujo impulso legislativo cabe privativamente ao Executivo, "ex vi" do disposto no artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Maior local, ferindo o princípio da independência e harmonia entre os Poderes, ao mesmo tempo em que desatende a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Tais circunstâncias a inquinam simultaneamente de inconstitucionalidade e ilegalidade, vez que a efetivação das providências estabelecidas pelo texto vindo à sanção importa expressivo acréscimo de despesas, sem contar, porém, com a obrigatória indicação dos recursos correspondentes, o que caracteriza descumprimento às regras contidas nos artigos 16 e 17 da Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000.

Por todo o exposto, não obstante louvável a iniciativa consubstanciada no texto aprovado, espelhando a preocupação com a preservação do meio ambiente e o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis, à vista das razões ora expendidas, as quais demonstram os óbices que impedem sua sanção, vejo-me na contingência de vetá-lo na íntegra, com fundamento no artigo 42, §1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo, renovando, na oportunidade, a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB, Prefeito

Ao Excelentíssimo Senhor

ROBERTO TRIPOLI

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo