RAZÕES DE VETO
Projeto de Lei nº 151/05
Ofício ATL nº 100, de 14 de junho de 2005
OF-SGP23 nº 1761/2005
Senhor Presidente
Reporto-me ao ofício referenciado, por meio do qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 151/05 aprovado por essa Egrégia Câmara em sessão de 11 de maio de 2005.
De autoria dos Vereadores Soninha e Paulo Teixeira, a propositura regulamenta a Lei Orgânica do Município em matéria de plebiscito, referendo e iniciativa popular, com o intuito de possibilitar a participação direta da população paulistana, por meio de cada um desses instrumentos, nos atos e deliberações do Poder Executivo Municipal, sobre questões relacionadas ao interesse público.
A mensagem aprovada trata, portanto, de tema de indiscutível importância para o exercício da soberania popular e para o fortalecimento da democracia participativa, evidenciando, efetivamente, os louváveis propósitos que inspiraram seus autores.
No entanto, em que pese sua nobre intenção, impõe-se veto parcial ao texto aprovado, atingindo, em seu inteiro teor, os artigos 2º, 3º, 4º, 8º, 9º e 10, o § 1º de seu artigo 11, e o artigo 12, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das considerações a seguir aduzidas.
O texto vindo à sanção, embora sem indicar os dispositivos da Lei Maior local destinatários da mencionada regulamentação, estabelece as matérias passíveis de consulta popular, disciplina o exercício da iniciativa legislativa dos cidadãos, prevê regras para a realização dos procedimentos correlatos e dispõe sobre competências, conferindo novas atribuições a órgãos do Poder Executivo e ao Poder Legislativo, além de determinar novos requisitos, prazos e condições para as manifestações da soberania popular.
Todavia, ao uniformizar procedimentos e afastar exigências consideradas injustificadas por seus idealizadores, a propositura acaba por contrariar, chegando mesmo a modificar, em vários de seus dispositivos, as normas correspondentes da Lei Orgânica do Município de São Paulo que regem a matéria, ao mesmo tempo em que deixa de obedecer preceitos constitucionais de observância obrigatória pelos Municípios, bem como disposições previstas na legislação federal aplicável, incorrendo em inconstitucionalidade e ilegalidade.
Com efeito, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular constituem importantes instrumentos de participação do povo, "ex vi" do disposto no artigo 14 da Constituição Federal, cuja execução acha-se regulamentada pela Lei Federal nº 9.709, de 18 de novembro de 1998, que normatiza o assunto, estabelecendo os conceitos, exigências e regras gerais a serem observados por Municípios, Estados, Distrito Federal e União.
Ressalte-se que a supracitada lei federal explicita, em seu artigo 2º, que a matéria passível de referendo e plebiscito é aquela que tiver acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa, determinando, ainda, em seu artigo 6º, que nas questões de competência dos Municípios, a convocação será realizada de conformidade com as respectivas Leis Orgânicas.
No âmbito municipal, o tema já é disciplinado pela Lei Maior local que, em seus artigos 10, 14, inciso X, 36, inciso III, 37, "caput", 44 e 45 (com a redação alterada pela Emenda nº 24, de 27 de dezembro de 2001), dispõe sobre as hipóteses, requisitos e condições, em consonância com os mandamentos constitucionais e as normas legais acima referidas.
Ocorre que o projeto de lei aprovado, ao arrolar as matérias objeto de plebiscito em seu artigo 2º, nele inseriu praticamente todas aquelas de competência privativa do Executivo, sem, todavia, estabelecer qualquer parâmetro ou critério que permita definir em quais condições seriam, efetivamente, passíveis de consulta popular. Daí se pode inferir que a quase totalidade das ações da Administração Municipal a ela estaria sujeita, o que, naturalmente, não se coaduna com a finalidade específica desse instituto.
Assim, desatendeu tanto a regra prevista no artigo 2º da referida lei federal, que destina ao plebiscito e ao referendo somente a matéria de acentuada relevância, quanto as normas da Lei Orgânica local, que os admite nas hipóteses de obras de valor elevado ou que tenham significativo impacto ambiental, bem como de questões relevantes aos destinos do Município ou do relevante interesse da cidade ou de bairros.
Não obstante, determina, ainda, no parágrafo único de seu artigo 2º, que nos casos de mudança de destinação de bens públicos de uso comum ou especial e de alienação do controle de empresas públicas, os plebiscitos serão obrigatórios e realizados previamente à edição das leis ou à celebração dos atos neles indicados, sob pena de invalidade.
Por outro lado, considerando os longos prazos estipulados no artigo 9º da propositura para manifestação do povo nos plebiscitos, as ações da Administração Municipal restariam, inevitavelmente, comprometidas, ficando paralisada, durante os extensos períodos de realização dessas consultas, a implantação de políticas públicas de saúde, educação, meio ambiente, habitação, abastecimento, transporte coletivo, assistência social e política urbana, concessões administrativas de serviços públicos e desafetação de bens públicos, o que é inviável numa cidade com as demandas do porte e da urgência de São Paulo, denotando a patente desconformidade desses dispositivos com o interesse público.
Vê-se, inclusive, no tocante às obras de elevado valor ou que causem impacto ambiental, aludidas no inciso VI de seu artigo 2º, que o texto aprovado deixou de veicular a normatização pertinente, a qual, nos expressos termos do artigo 10 da Lei Orgânica do Município, deve ser estabelecida em lei.
Dessa forma, em lugar de estipular os critérios, definições e parâmetros necessários, o artigo 4º da propositura limitou-se tão-somente a atribuir ao Tribunal de Contas do Município de São Paulo e ao Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - CADES os ônus de atestar, respectivamente, que as obras a serem empreendidas são de elevado valor e causam grande impacto ambiental, deixando de contemplar, todavia, os elementos normativos imprescindíveis a essa aferição, o que inviabiliza sua aplicação.
Ademais, as incumbências ora conferidas aos dois órgãos não se inserem nas competências legais da Corte Municipal de Contas ou do CADES, na conformidade das respectivas Leis nº 9.167, de 3 de dezembro de 1.980, alterada pela Lei nº 9.635, de 30 de setembro de 1.983, e nº 11.426, de 18 de outubro de 1993.
Nesse sentido, além da impropriedade acima mencionada, o artigo referenciado, nesse aspecto, padece do vício de iniciativa, por legislar sobre assunto relacionado à organização administrativa e serviços públicos, impondo novas atribuições e procedimentos a órgãos municipais, matéria cujo impulso legislativo cabe privativamente ao Executivo, por força do disposto no artigo 37, § 2º, inciso IV, combinado com os artigos 69, inciso XVI, e 70, inciso XIV, todos da Lei Maior local, ferindo, ao mesmo tempo, ao nível da Constituição Federal, o princípio da independência e harmonia entre os Poderes.
Também incidem em contrariedade à Lei Orgânica do Município e, conseqüentemente, em inconstitucionalidade e ilegalidade, as disposições contidas no artigo 3º e no parágrafo único do artigo 8º da propositura, as quais fixam o percentual mínimo único de 1% (um por cento) do eleitorado, exigido para a realização de qualquer plebiscito ou referendo, haja vista que acabam por modificar, por via imprópria, o percentual mínimo determinado no artigo 45 da LOMSP (com a redação alterada pela Emenda nº 24, de 2001), segundo o qual, "as questões relevantes aos destinos do Município poderão ser submetidas a plebiscito ou referendo por proposta do Executivo, por 1/3 (um terço) dos vereadores ou por pelo menos 2% (dois por cento) do eleitorado, decidido pelo Plenário da Câmara Municipal".
A par de versar sobre questão que não comporta regulamentação, cumpre ponderar que as regras contidas na Lei Orgânica do Município somente podem ser alteradas mediante emenda, nos expressos termos de seu artigo 36, jamais por lei ordinária, que lhe é hierarquicamente inferior.
Por outro lado, a disposição contida no "caput" do artigo 8º exclui a possibilidade de convocação do referendo pelo Executivo, vez que prevê somente a iniciativa popular e a de 1/3 dos Vereadores da Câmara, o que também viola o "caput" do artigo 45 acima citado.
Da mesma forma, o artigo 10 da mensagem aprovada abriga outras impropriedades incontornáveis.
A primeira deflui de seu "caput", vez que a homologação do resultado do referendo pela Justiça Eleitoral já formaliza e torna pública a manifestação da vontade popular, sendo que os efeitos daí resultantes não ensejam nem dependem da declaração ou adoção de qualquer providência da Câmara Municipal, particularmente pela via do decreto legislativo, o qual se destina apenas a regular matéria da competência exclusiva do Legislativo, de efeitos externos a ele, fora do campo específico da lei e não sujeita à sanção do Prefeito, a teor do artigo 236 do respectivo Regimento Interno, não se prestando, pois, à finalidade de declarar a confirmação ou rejeição do texto normativo pelo povo.
A segunda emerge do disposto no parágrafo único do referido artigo 10 que, de forma indireta, atribui efeitos revocatórios ao mencionado decreto legislativo, válidos a partir da data de sua publicação, porque, além da hipótese não comportar a edição dessa espécie normativa, é ela destituída de efeitos revocatórios.
É oportuno lembrar, a propósito, que a Lei Federal nº 9.709, de 1998, prevê em seu artigo 3º a expedição de decreto legislativo para a convocação do plebiscito e do referendo, não contemplando, naturalmente, qualquer disposição semelhante àquela do dispositivo em tela, o mesmo se verificando na Lei Maior local.
Por seu turno, embora o "caput" do artigo 11 reproduza exatamente o comando contido no inciso III do artigo 36 da LOMSP, seu § 1º, ao vedar expressamente a exigência de qualquer informação que não a declaração do nome completo e data de nascimento dos signatários, afasta a necessidade de apresentação de título eleitoral, restando por inviabilizar a possibilidade de aferição da condição de eleitor do Município, elemento indispensável, posto que, como salienta Alexandre de Moraes, "por se tratar de exercício da soberania, somente àqueles que detiverem capacidade eleitoral ativa será permitido participar de ambas as consultas" ("Direito Constitucional", Ed. Atlas, 16º edição, 2004, pág. 238). Desatende, portanto, não só a Lei Maior local como também o preceito estampado no inciso XIII do artigo 29 da Carta Magna, de observância obrigatória pelos Municípios, esbarrando em irremediável inconstitucionalidade.
Além disso, como o texto vindo à sanção aplica a mesma regra prevista no § 1º de seu artigo 11 às demais modalidades de consulta e participação popular, conforme consta do parágrafo único de seus artigos 3º, 9º e 12, tais dispositivos incorrem igualmente no mesmo óbice. Assinale-se, ainda, que o "caput" do artigo 12 acha-se em desacordo tanto com o inciso XIII do artigo 29 da Constituição Federal, quanto com o inciso I do artigo 44 da Lei Orgânica local, os quais exigem a manifestação de, pelo menos, 5% do eleitorado do Município em qualquer hipótese, quer se trate do interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, não podendo, por isso, ser mantido.
Destarte, resta inequívoco que a contrariedade à Lei Orgânica do Município de São Paulo e aos preceitos constitucionais que regem a matéria inquina as disposições supracitadas não só de inconstitucionalidade, mas também de ilegalidade, ante a infringência ao artigo 6º da Lei Federal nº 9.709, de 1998, segundo o qual, nas questões de competência do Município, o plebiscito e o referendo obedecerão às normas estabelecidas na Lei Orgânica local.
Por conseguinte, ante as razões expendidas, que demonstram os óbices à sanção dos dispositivos indicados, vejo-me na contingência de vetar, em seu inteiro teor, os artigos 2º, 3º, 4º, 8º, 9º e 10, o § 1º do artigo 11 e o artigo 12 do texto aprovado, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo, renovando, na oportunidade, a Vossa Excelência meus protestos de elevado apreço e distinta consideração.
JOSÉ SERRA, Prefeito
Ao Excelentíssimo Senhor
ROBERTO TRIPOLI
Presidente da Câmara Municipal de São Paulo