CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

Acessibilidade

PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.881 de 2 de Agosto de 2018

EMENTA N° 11.881
Planta de loteamento arquivada informalmente no Cartório de Registro de Imóveis. Elemento que não pode isoladamente produzir efeitos dominiais. Aquisição de domínio público segundo a situação fática. Ausência de medidas a serem tomadas quanto aos espaços referentes a logradouros projetados.

Processo nº 2011-0.013.495-2

INTERESSADO: Municipalidade de São Paulo.

ASSUNTO: Desocupação de área.

Informação nº 0898/2018-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Senhor Coordenador Geral

O presente foi iniciado para trata de invasão de área identificada como pública no âmbito do p.a. n. 2006-0.184.826-4, que tratou de ação de usucapião ajuizada por Milton Luiz Antonioli. Tal ação, depois de impugnada pela Municipalidade, foi extinta sem julgamento de mérito.

A impugnação foi motivada pelo fato de a área usucapienda corresponder a leito de rua e espaço livre do Loteamento Santa Rita, ao qual corresponde a averbação n. 1 feita à margem da Transcrição n. 77.674, do 9º Cartório de Registro de Imóveis.

Segundo DEMAP, poderia ser aplicada ao caso a orientação traçada na Ementa n. 11.773 - PGM.AJC, razão pela qual seria necessária manifestação de SEHAB-CRF quanto à anterioridade do parcelamento (fls. 74/96). Tal coordenadoria, contudo, entendeu prejudicada sua manifestação, pois não haveria processo de regularização envolvendo a área. Insiste DEMAP, contudo, que tal competência seria daquela unidade, nos termos do art. 8º do Decreto n. 54.072/13, solicitando sejam-lhe encaminhados os autos para manifestação.

É o relatório do essencial.

A solicitação de DEMAP está na linha da orientação desta Procuradoria Geral, tendo sido objeto da Ementa n. 11.848 - PGM-AJC e da Informação n. 735/2018 - PGM-AJC. Portanto, sendo caso de avaliação quanto à aplicabilidade da Ementa n. 11.773 - PGM-AJC, não haveria dúvida quanto à necessidade de remessa dos autos a SEHAB-CRF.

Sem embargo, ao contrário do que se entendeu, o fato é que, mesmo sem a aplicação da Ementa n. 11.773 - PGM-AJC, não parece possível sustentar o domínio público com base na planta arquivada do Loteamento Jardim Santa Rita, de forma a fazer prevalecer a situação projetada em detrimento do implantado. De fato, à semelhança do precedente que foi objeto da Informação n. 1926/2015-SNJ.G, não parecem estar presentes, no caso em exame, as possíveis causas que ensejariam a caracterização do domínio público sobre o leito projetado das ruas "5" e "6" e do sistema de recreio de acordo com a configuração da planta particular arquivada perante a serventia predial.

Com efeito, não há como reconhecer a existência de afetação ao uso público de acordo com outra configuração diversa daquela que hoje existe no local, simplesmente porque não há documentação a respeito. Não é possível, de modo aígum, afirmar que o logradouro em algum momento tenha sido efetivamente implantado de modo diverso daquele hoje existente no local. Não há indicação, por exemplo, de que a via teria sido asfaltada ou recebido melhoramentos públicos com a configuração projetada, tendo sido depois parcialmente invadida pelos lotes vizinhos. Na verdade, o domínio público jamais se consolidou segundo a planta do loteamento irregular.

De outra parte, não parece possível reconhecer no caso a existência de uma espécie de concurso voluntário segundo a planta arquivada. De fato, este instituto pressupõe manifestações ou condutas inequívocas de ambas das partes. No entanto, é muito difícil reconhecer uma manifestação inequívoca no caso de uma planta informalmente arquivada, destituída de qualquer manifestação formal do proprietário ou loteador (cf. fls. 148 e 152 do p.a. n. 2006-0.184.826-4). As plantas depositadas, muito frequentes há décadas, eram meras referências utilizadas pelos registros de imóveis para fins de disponibilidade registrária, mas nunca tiveram efeitos próprios de um instrumento negocial. A planta particular, isoladamente, máxime quando apócrifa, não constitui a oferta que caracteriza o concurso voluntário, mas um documento meramente referencial.

Por outro lado, não parece possível extrapolar essa oferta a partir da configuração de todo o loteamento, sob o argumento de que, se as outras vias foram abertas, é porque o loteamento foi todo oferecido ao Poder Público segundo a planta arquivada, valendo essa oferta também em relação ao logradouro cuja plena abertura não está comprovada. Os dois critérios não se confundem: se a planta fosse suficiente para configurar a oferta, de nada valeria a abertura dos demais logradouros; se a abertura dos logradouros em questão tivesse ocorrido comprovadamente de acordo com a configuração apontada como projetada, não seria necessário invocar esta última. Na verdade, não há comprovação de uma declaração expressa nem uma conduta tácita da qual se possa extrair, de modo inequívoco, que a via tenha sido oferecida à Municipalidade em outra posição diversa da que foi objeto de implantação.

Além disso, não há elemento algum que caracterize a aceitação, por parte da Municipalidade, dos logradouros na posição projetada. Não há comprovação de implantação do logradouro de acordo com essa configuração e tampouco há atos formais nesse sentido. A via foi oficializada e denominada, mas nenhum dos atos a isso relacionados indica o posicionamento do logradouro. Mesmo que tivesse havido oferta, portanto, não seria possível afirmar que o Poder Público teria aperfeiçoado um concurso voluntário caracterizado de modo distinto da situação de fato hoje existente no local.

De fato, com base no p.a. n. 1985-0.021.814-2, que tratou da denominação das vias em questão, é possível notar que, embora tivessem sido oficializadas pela Lei n. 7.180/68 (fls. 26/27), isso ocorreu segundo a planta do setor fiscal, e não de acordo com a planta averbada. Por outro lado, tais vias não se encontravam implantadas no ponto em questão nessa ocasião, uma vez que não constam do levantamento GEGRAN, que é posterior. Tudo indica, aliás, que tal trecho só tomou a configuração atual com a execução do "Mutirão de Guias e Sarjetas" noticiado naquele expediente (fls. 28). Assim, ainda que a Municipalidade considerasse oficiais as vias desde 1968, o que provavelmente lastreou a certidão que possibilitou a averbação mencionada (cf. fls. 132 v. do acompanhante 2006-0.184.826-4), o fato é que não prova de uma implantação efetiva, de sorte que é possível afirmar que o domínio público só se aperfeiçoou com a implantação do logradouro, o que ocorreu muito depois.

Conforme já se observou em outro precedente, a averbação de rua não é instrumento para a transferência da propriedade, mas um ato registrário de acertamento da situação fundiária, que interessa, no caso, ao proprietário privado - por exemplo, para regularizar a confrontação do imóvel particular ou apurar sua real disponibilidade, até mesmo a fim de subsidiar um eventual licenciamento edilício (Informação n. 1.389/2013 - SNJ.G). É importante notar, a propósito, que não há informação nem mesmo quanto à autoria do pedido de averbação. De outra parte, vale apontar que, no caso presente, somente as vias se encontram averbadas, e não o espaço livre. As vias, por sua vez, foram averbadas com alguma indicação de suas características, mas sem alusão à sua alocação específica. A propósito, é de se observar que as vias não foram suprimidas, mas tão somente implantadas com posicionamento diverso daquele que constava da planta informal.

A utilização da configuração definida em plantas para a apuração das características do domínio municipal decorrente de parcelamentos do solo é uma possibilidade decorrente do regime instituído pelo Decreto Lei n. 58/37 (cf. fls. 139/140), mas não merece interpretação ampiiativa que permita a extensão desse regime aos loteamentos totalmente irregulares, que não tenham sido objeto de um ato formal de aprovação, inscrição, registro ou regularização. No caso presente, tem-se apenas uma planta depositada, que não pode ser adotada como fonte de efeitos jurídicos específicos. Os logradouros existentes naquela região não se tornaram públicos por força do depósito dessa planta, mas simplesmente a partir da afetação, de acordo com a configuração fática efetivamente implantada.

Vale notar, ademais, que o ordenamento pátrio não contempla uma espécie de aquisição de domínio público residual, o que levaria à existência de áreas que, por não estarem incluídas em registros particulares, teriam de ser necessariamente públicas. Se uma área não foi incluída em nenhum registro decorrente do parcelamento do solo, ela não se torna pública, mas simplesmente fica mantida no domínio do parcelador original, até que eventualmente seja objeto de inclusão em outro registro particular (por exemplo, por usucapião). Para que tal área venha a incorporar-se ao patrimônio municipal, é preciso que ela seja objeto de alguma das causas de aquisição pertinentes, como a afetação e o concurso voluntário.

No caso presente, a Municipalidade certamente poderia, em tese, por ocasião da implantação irregular do parcelamento, exigir do loteador que definisse os alinhamentos de modo correspondente aos registros imobiliários, destinado efetivamente como públicas as áreas remanescentes. Nessa ocasião, estivesse acompanhando e fiscalizando realmente a implantação, a Municipalidade poderia tomar providências para a consumação do concurso voluntário, não podendo mais o proprietário, neste caso, ocupar o logradouro cujo domínio público teria sido então aperfeiçoado. No entanto, não tendo ocorrido esse aperfeiçoamento, a área continuou sob domínio privado, podendo ter sido realmente ocupada por edificação, ainda que sem justo título, pois essa ocupação ocorreu em detrimento do loteador - então proprietário - e não em desfavor da Urbe, cujo domínio jamais se consolidou segundo essa configuração teórica.

Por outro lado, por mais que possa parecer tentadora a existência de um espaço aparentemente preservado, que poderia servir como área de recreação, o fato é que a Municipalidade não pode atuar exclusivamente com base em interesses patrimoniais, sem os fundamentos jurídicos correspondentes. Décadas atrás, logo na sequência do parcelamento do solo, seria possível exigir do parcelador a destinação de áreas, inclusive no âmbito do procedimento de regularização. Entretanto, não tendo tomada no momento apropriado, tal providência se inviabilizou, até mesmo porque a área há muito já não se encontra na posse do loteador, não havendo como alcançar a esfera jurídica de terceiros.

Diante do exposto, estando desde logo caracterizada a ausência de domínio público diverso daquele correspondente à situação implantada, e sendo assim desnecessária a aplicação do entendimento objeto da Ementa n. 11.773 - PGM-AJC, sugere-se seja o presente restituído a DEMAP, para ciência, com posterior remessa a CGPATRI, para anotações, antes do devido arquivamento.

.

São Paulo, 02/08/2018.

JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP 173.027

PGM

.

De acordo.

.

São Paulo, 03/08/2018.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC

OAB/SP 175.186

PGM

.

.

Processo nº 2011-0.013.495-2

INTERESSADO: Municipalidade de São Paulo.

ASSUNTO: Desocupação de área.

Cont. da Informação nº 0898/2018-PGM.AJC

PGM

Senhor Procurador Geral

Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido de que, independentemente da aplicação do entendimento adotado na Ementa n. 11.773 - PGM-AJC, não é possível sustentar o domínio público sobre espaços previstos como logradouros segundo a planta arquivada do Loteamento Jardim Santa Rita, mas somente de acordo com a situação efetivamente implantada, não havendo, assim, próprios municipais invadidos que reclamem a tomada de medidas para sua desocupação.

.

São Paulo, 09/08/2018.

TIAGO ROSSI

PROCURADOR DO MUNICÍPIO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

.

.

Processo nº 2011-0.013.495-2

INTERESSADO: Municipalidade de São Paulo.

ASSUNTO: Desocupação de área.

Cont. da Informação nº 0898/2018-PGM.AJC

DEMAP

Senhora Diretora


Com o entendimento da Coordenado ria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido de que, de acordo com os elementos colhidos, não se mostra possível sustentar o domínio público sobre espaços que constaram como logradouros na planta arquivada do Loteamento Jardim Santa Rita, encaminho-lhe o presente para ciência, com posterior remessa a CGPATRI para as devidas anotações, antes de seu oportuno arquivamento.

O presente passa a ser acompanhado pelo p.a. n. 1985-0.021.814-2 (arquivado), mantido o acompanhante n. 2006-0.184.826-4.

.

São Paulo, 10/09/2018.

GUILHERME BUENO DE CAMARGO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 188.975

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo