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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.821 de 15 de Janeiro de 2018

EMENTA Nº 11.821
Pedido de acesso a mensagens contidas em conta de correio eletrônico de servidor público, nos termos da Lei n. 12.527/11 - Lei de Acesso à Informação. Caixa de mensagens como espaço reservado ao servidor. Necessidade de classificação de informações. Inviabilidade de pedido de acesso que exija prévio tratamento de dados. Indeferimento devido de acordo com a legislação de regência.

TID 17315558

INTERESSADA: Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia

ASSUNTO: Pedido de acesso à integra de mensagens contidas na caixa de correio eletrônico de servidor público, nos termos da Lei de Acesso à Informação.

Informação n° 0038/2018-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Senhor Coordenador Geral

O presente foi intimado a partir de mensagem de correio eletrônico enviada pela Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia, que relatou a existência de pedido de acesso à íntegra dos e-mail trocados pelo Presidente da PRODAM entre 1 e 15 de novembro de 2017.

Diante da existência de outras situações semelhantes, relativas a pedidos formulado com base na Lei de Acesso à Informação, aponta aquela Pasta a necessidade de um entendimento consolidado da Procuradoria Geral do Município acerca do tema.

É o breve relato.

Não há dúvida de que a tendência mundial em termos de acesso à informação pública é a transparência1. No Brasil, essa tendência também se fez presente por meio da promulgação da Lei n. 11.526/11, que trata do acesso à informação pública em termos claramente favoráveis à abertura e à disponibilidade dos dados públicos para o acesso de qualquer interessado.

Essa indiscutível diretriz de transparência não dispensa, contudo, a compreensão adequada de determinadas realidades segundo uma visão sistemática do ordenamento jurídico e da prática administrativa. Para essa finalidade, não é elucidativa a compreensão simplória – e puramente ideológica – de que tudo o que se passa na Administração seria de acesso público, apenas por se tratar de algo relacionado à ação do Estado, que deve ser transparente.

De fato, a prática demonstra que, mesmo em ambientes físicos da Administração, é usual e muitas vezes necessário garantir espaços reservados à intimidade de certas pessoas, notadamente dos servidores públicos. Se a Administração fornece armários para seus funcionários – o que é muito comum em universidades públicas, por exemplo –, não é possível ter acesso a tais espaços sob o argumento de estarem em edifícios públicos. O mesmo ocorre, por óbvio, no caso de áreas de uso ainda mais íntimo, tais como vestiários e sanitários.

Exemplos semelhantes existem no campo das comunicações. Não seria razoável afirmar que, apenas em razão da tendência de transparência na Administração Pública, todas as chamadas telefônicas feitas em telefones existentes em órgãos administrativos poderiam ser gravadas e depois disponibilizadas para o conhecimento do público em geral. Da mesma forma, não caberia divulgar o conteúdo das correspondências em papel recebidas por um servidor público quando a Administração lhe disponibilizasse um escaninho ou uma caixa postal para essa finalidade dentro da repartição.

No contexto das comunicações eletrônicas, a mesma situação se verifica. Quando a Administração fornece ao servidor uma conta de correio eletrônico, com acesso mediante senha, sobretudo quando não há regras expressas quanto à sua utilização, é natural que o servidor a utilize para fins pessoais na confiança de se tratar de um meio reservado de correspondência. Obviamente, a utilização não pode incluir práticas abusivas ou criminosas, mas também é evidente que o funcionário não poderá ser punido por ter utilizado o correio eletrônico funcional para mandar mensagens particulares comuns, de modo prudente e moderado.

A caixa de mensagens de um funcionário público, correspondente ao e-mail oficial que lhe foi fornecido, decerto tende a conter comunicações relacionadas ao serviço, até mesmo porque essa foi a finalidade precípua dessa disponibilização. Contudo, sendo admissível o uso razoável do e-mail para finalidades pessoais lícitas, não é possível afirmar que todas as mensagens situadas naquele espaço reservado constituiriam informações públicas. Em situações assim delineadas, o conteúdo da caixa de mensagens de um determinado servidor público é constituído por essas informações privadas e por informações públicas, relacionadas ao desempenho de suas funções.

Não há dúvida de que, na falta de um regime claro a respeito, previamente definido, as informações privadas contidas em contas de correio eletrônico públicas devem ser consideradas como sujeitas ao sigilo de correspondência, nos termos da Constituição da República (art. 5º, XII). Na verdade, não se trata de informações públicas de caráter pessoal – aquelas que fazem referência a uma pessoa determinada e que podem expô-la indevidamente a terceiros –, mas de informações privadas que são simplesmente armazenadas em equipamentos da Administração.

O fato de o Poder Público ter acesso a uma determinada informação ou mesmo a deter, em determinadas circunstâncias, não a torna uma informação pública, para fins da Lei de Acesso à Informação - LAI. Com efeito, a LAI não alcança informações privadas apenas por estarem armazenadas em equipamentos públicos; na verdade, é preciso interpretar o art. 7º de tal diploma legal como tendo por referência as informações que possam ser qualificadas como públicas, e não qualquer informação que já tenha sido de alguma forma levada ao conhecimento da Administração.

Essas mensagens privadas armazenadas pelos órgãos administrativos estão sujeitas a um regime próprio, que não é isento de complexidades. À luz da jurisprudência, admite-se que o empregador tenha acesso às mensagens trocadas pelos empregados em e-mail corporativo, o que é relevante, no âmbito da Administração Pública, especialmente para fins disciplinares. Isso constitui, contudo, uma atividade específica de controle sobre a atividade laboral, que não autoriza o repasse indiscriminado dessas informações a terceiros (cf. Informação n. 1.099/2016 – PGM.AJC).

De outra parte, as informações contidas nas contas de correio eletrônico oficiais que sejam relacionadas ao desempenho das funções do servidor público poderiam ser consideradas, em tese, passíveis de acesso, nos termos da LAI. No entanto, diante da situação de indistinção entre as informações contidas em tais contas, eventual divulgação dependeria de um atividade prévia de processamento de tais informações, por meio da qual elas seriam classificadas para tal fim. Assim, fica claro que as informações contidas em contas de correio eletrônico requerem uma espécie de tratamento prévio, não podendo ser consideradas imediatamente disponíveis para fins de acesso público.

Nessa linha, a Controladoria Geral da União vem entendendo que, no estado em que se encontram, as mensagens contidas em caixas de correio fornecidas pela Administração aos servidores públicos não constituem necessariamente documentos para fins arquivísticos, não podendo, assim, ser objeto de acesso nos termos da legislação pertinente. Nesse sentido, 

não é razoável admitir que o conteúdo da caixa de correio de um servidor, ou mesmo uma fração dele, seja, desde sempre e inquestionavelmente, um repositório de informações públicas. É necessário que estejam presentes os requisitos de criação de um documento, tanto na forma quanto no conteúdo, e que tenham sido observados os procedimentos para garantia da integridade e autenticidade do arquivo eletrônico e os regramentos de temporalidade, manutenção e desfazimento daqueles classificados como Documentos Arquivísticos Digitais 2.

Esse entendimento observa as Diretrizes para a Gestão Arquivística do Correio Eletrônico Corporativo, aprovadas pela Resolução n. 36/2012 do CONARQ - Conselho Nacional de Arquivos, das quais assim consta:

A mensagem de correio eletrônico considerada como um documento arquivístico precisa ser declarada como tal, ou seja, incorporada ao conjunto de documentos do órgão ou entidade, a fim de manter sua autenticidade, confiabilidade e acessibilidade pelo tempo que for necessário. (Item 3.2, in fine)

Dessa forma, o atendimento ao pedido de acesso à caixa de mensagens relativa a uma conta de correio eletrônico de um servidor público importaria na necessidade de uma atividade ad hoc para a geração de informações que pudessem ser acessadas por terceiros – dessa sorte, seriam objeto de acesso certas mensagens contidas na caixa de correio, com o acréscimo da verificação de que efetivamente se trata de algo relacionado ao desempenho das funções pelo servidor público. Tal não é, todavia, o escopo da Lei de Acesso à Informação, que se refere à informação disponível (art. 11) e não à produção de informação a critério das necessidades do requerente.

Convém observar que não se trata de aferir se essa produção de informação constituiria um trabalho de grandes proporções ou se poderia paralisar a atividade do órgão em questão. O ponto é que a LAI impõe a disponibilização da informação existente, mas não obriga a Administração à atividade de produção de novas informações. Sempre que seja necessária tal atividade, não é possível reconhecer a existência de um direito ao acesso por parte do requerente.

Portanto, no contexto presente e em âmbito municipal, os pedidos de acesso a mensagens de caixas de correio de servidores públicos devem ser indeferidos com base no art. 16 do Decreto 53.623/12, que assim dispõe:

Art. 16 Não serão atendidos pedidos de acesso à informação:

(...)

III - que exijam trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação de dados e informações, ou serviço de produção ou tratamento de dados que não seja de competência do órgão ou entidade.

É claro que essa conclusão não impede todo tipo de iniciativa para dar conhecimento ao público de mensagens trocadas em e-mails oficiais. Uma alternativa seria regular tais caixas de correio para que as informações pudessem ser divulgadas indiscriminadamente, o que exigiria a criação de um regulamento de uso e a cientificação prévia do usuário de que todas as mensagens ali trocadas serão disponibilizadas para o acesso de todos. Essa solução teria como fim específico afastar um questionamento de violação, por parte da Administração, à confiança legítima do usuário, já que, nessa hipótese, o funcionário não poderia afirmar que desconhecia a possibilidade de tal divulgação. Além disso, tal medida acarretaria a descaracterização do correio eletrônico como meio de correspondência para os fins da garantia constitucional de sigilo, pois todos saberiam que, na prática, tais correspondências constituiriam cartas abertas ao público.

Certamente essa solução teria inconvenientes, até mesmo porque a existência de um espaço reservado não deve ser considerada, a priori, como algo destituído de sentido. Mesmo para o desempenho de suas funções, é normal que o funcionário veicule mensagens e opiniões de modo livre, apenas para a formação de um juízo futuro. Para o bom funcionamento do serviço, pode-se considerar conveniente que o funcionário tenha um espaço para fazer especulações, ensaiar livremente pontos de vista ou até desenvolver ideias equivocadas, já que a simples discussão não traz, em si, consequência alguma. Por outro lado, existem sistemas informáticos específicos na Administração Municipal para a realização de atos formais aos quais se pretenda atribuir efeitos jurídicos, como aqueles relacionados à gestão orçamentária ou de pessoal, ou mesmo o sistema genérico de processos eletrônicos, o SEI, que produz efetivamente informações públicas. É possível que, nesse cenário de disponibilidade de outras ferramentas, a utilidade do correio eletrônico resida justamente em seu caráter livre e informal, sendo esse aspecto algo relevante a ser considerado em uma eventual deliberação político-administrativa quanto à disponibilização irrestrita de seu conteúdo.

Caso se entenda apropriado manter esse espaço reservado, a alternativa – evidentemente não obrigatória – seria instituir uma atividade contínua de classificação das mensagens de caixas de correio, de forma a identificá-las como privadas ou públicas e, dentro destas últimas, quais poderiam ser objeto de divulgação, por não veicularem informação pessoal ou sigilosa, ou por constituírem informação subjacente a atos que ainda não foram praticados (art. 7º, §3º da LAI). A partir dessa classificação, haveria informações efetivamente aptas ao acesso, que poderiam ser levadas ao conhecimento de todos, nos termos do regime aplicável.

Nesta hipótese, contudo, seria possível, na linha adotada pela Controladoria Geral da União, entender que a informação produzida já não constituiria a mensagem de correio eletrônico, mas outro documento, produzido pela Administração a partir dela e armazenado em outro espaço, como documento público. A mensagem de correio eletrônico seria, em si, apenas um meio para a obtenção de determinadas informações de interesse público, a serem incorporadas nos arquivos da Administração voltados para tal fim:

Entende-se, então, que os correios eletrônicos funcionam, do ponto de vista da realização do direito de acesso a informação, como interfaces-extra para a obtenção, pela sociedade, de informações que afetem a sua realidade e que expressem comunicações oficiais por parte dos agentes de Estado. Nesse sentido, não parece haver espaço para se compreender que diálogos intermediários entre agentes, que não constituam tomadas de decisão propriamente ditas, nem insumos relevantes para a tomada da decisão em si, em âmbito virtual, constituam fontes de informação passíveis de solicitação cidadã 3.

Tais alternativas, contudo, constituem meros exercícios voltados a demonstrar que o ordenamento não exclui mudanças que possam alinhar-se a anseios por maior transparência na Administração. Tais reflexões são apresentadas apenas para o fim de demonstrar que não se pretende aqui incorrer no equívoco de uma avaliação simplificada ou precipitada diante de um tema tão complexo: de fato, se a publicidade indiscriminada dos e-mails revela uma visão equivocada, o mesmo erro poderia ocorrer caso se sustentasse uma linha de absoluto sigilo, sem considerar as circunstâncias e as possíveis configurações a serem adotadas na gestão das caixas de correio oferecidas aos servidores e das informações ali contidas.

De todo modo, as especulações a respeito de possíveis alternativas não excluem a realidade presente, em que as contas de correio eletrônico são oferecidas aos servidores públicos na condição de espaços reservados para correspondência, sendo o conteúdo de tais contas um repositório marcado pela indistinção de informações públicas e privadas, cuja superação envolveria uma atividade de tratamento da informação, à qual os órgãos públicos não estão obrigados nos termos da legislação de regência.

Assim sendo, sugere-se o retorno do presente à Pasta interessada, com recomendação de indeferimento do pedido de acesso.

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São Paulo, 15/01/2018. 

JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA 

PROCURADOR ASSESSOR – AJC

OAB/SP 173.027

PGM

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1Cf. Brega, José Fernando. Governo eletrônico e direito administrativo. Brasília: Gazeta Jurídica, p. 148 e ss.

2Proc. n. 00077.000274/2016-81 - Recurso contra decisão em pedido de acesso à informação, item 67.

3Proc. n. 00077.000274/2016-81 - Recurso contra decisão em pedido de acesso à informação, item 69.

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TID 17315558

INTERESSADA: Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia

ASSUNTO: Pedido de acesso à integra de mensagens contidas na caixa de correio eletrônico de servidor público, nos termos da Lei de Acesso à Informação.

Cont. da Informação n° 0038/2018–PGM.AJC

PGM

Senhora Procuradora Geral Substituta

Com o entendimento da Assessoria Jurídico Consultiva desta Coordenadoria Geral, que acolho, encaminho-lhe o presente, com orientação no sentido do indeferimento de pedidos de acesso a mensagens de correio eletrônico de contas disponibilizadas a servidores públicos, nos termos do art. 16, III, do Decreto 53.623/12, tendo em vista a necessidade de tratamento de informação para separação e classificação, dada a ausência de regulamentação do uso do correio eletrônico e o estado de indistinção entre os documentos públicos e privados ali existentes.

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São Paulo,15/01/2018.

TIAGO ROSSI

PROCURADOR DO MUNICÍPIO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

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TID 17315558

INTERESSADA: Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia

ASSUNTO: Pedido de acesso à integra de mensagens contidas na caixa de correio eletrônico de servidor público, nos termos da Lei de Acesso à Informação.

Cont. da Informação n° 0038/2018–PGM.AJC

SMIT

Senhor Secretário

Encaminho-lhe o presente, em atenção à solicitação formulada, com a orientação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido da atual inviabilidade jurídica de fornecimento de mensagens de correio eletrônico de servidores públicos, em caso de pedido de acesso formulado nos termos da Lei de Acesso à Informação.

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São Paulo, 16/01/2018.

LUCIANA SANT'ANA NARDI

PROCURADORA GERAL SUBSTITUTA

OAB/SP 173.307

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo

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